sábado, 6 de agosto de 2011

Igreja São Francisco de Assis - Pampulha

               Essa é a famosa Igreja de São Francisco de Assis projetada por Oscar Niemeyer a pedido do governador JK. Considerada a obra-prima do conjunto de prédios levantados nas margens do então novo Lago da Pampulha, em Belo Horizonte. No projeto dessa "jóia" o arquiteto fez novos experimentos em concreto armado ao criar uma laje abobadada com um formato parabólico autoportante. Esse recurso da engenharia e arquitetura já era utilizado em hangares.


               A abóboda ao mesmo tempo em que é estrutura é fechamento, funcionando como uma única peça. Essa alternativa estrutural proporciona a inexistência de pilares internos. Em planta baixa o prédio tem um formato aproximado de um "T" e a área destinada à capela propriamente dita é a única laje curva voltada para o lago; bem marcada em seu volume é aquela que atinge as maiores dimensões: mais comprida, mais larga e mais alta. As quatro "ondas" da laje do corpo de trás cobrem as áreas do altar, administração e sacristia. Muito legal o fato da sobreposição das duas lajes, quando há o encontro do corpo do salão de oração com o volume perpendicular. Outro elemento arquitetônico de grande impacto visual é a inclinação obtida entre as diferentes cotas nas alturas da linha de cumeeira: a nave vai aos poucos perdendo altura desde a fachada até o coro assim como vai estreitando.



               As formas ousadas tanto nas curvas da cobertura como na inclinação das arestas da torre (na foto a direita da capela) causaram furor entre os especialistas e a comunidade, mas não foram bem aceitas pela igreja. Muito inovadora, rompia com os paradigmas estéticos da classe religiosa. Isso retardou em catorze anos a consagração da igreja. A figura de um cachorro ao lado de São Francisco na pintura do altar, de autoria de Portinari, também foi motivo de descontentamento das autoridades eclesiásticas. O edifício já começava a fazer história.
               Cândido Portinari é também o autor das estações da via sacra, que com seus catorze painéis é tido como uma de suas mais importantes obras.


               Suas linhas inconfundíveis remetem aos anos cinqüenta e ao momento político em que Juscelino Kubitschek surgia no cenário nacional com sua visão progressista. Época de rica produção cultural em todo o país.
               O desenho inesperado, de vanguarda, fundador de um novo senso estético e nada comum para seu tempo, não era de forma alguma deslocado do quadro cultural. Prova disso a presença de elementos comuns à arquitetura histórica mineira, como a grelha, que veda a parte superior do vão parabólico e a treliça que se repete nas duas laterais da torre dos sinos. Esses elementos arquitetônicos ganham a cor azul, predominante nos acabamentos do exterior de toda a igreja e muito comuns nas portas e janelas das casas de arquitetura lusa. Portanto, não há nada que evoque mais a arquitetura do interior de Minas do que essa reinterpretação dos muxarabies de suas casas coloniais. E ainda pintadas de azul claro! Bárbaro!
               A laje plana conecta os dois volumes do prédio e cria um peculiar pórtico. Nessa foto podemos ver a escada interna em caracol bem junto às portas de vidro. Atenção ao lindo desenho, abstrato, presente apenas nas duas laterais do corpo da capela.

              É o início da arquitetura brasileira rumo à modernidade, sem esquecer de seu passado. É muito lindo.


                                                                

               Acima o detalhe da laje de cobertura do alpendre engastando no campanário: sutileza e sofisticação. Vê-se parte dos desenhos abstratos do mosaico de Paulo Werneck em pastilhas azuis e brancas contrastando com o mármore sutilmente desenhado que reveste a pequena torre.


               Os desenhos sinuosos de Paulo Werneck, considerado um dos grandes muralistas brasileiros, acompanham as linhas da arquitetura e lembram os contornos do lago. As ondas do desenho sugerem o tema aquático, mas também criam belo paralelo às nuvens sobre céu azul. Incrível como o artista dialoga com o arquiteto e juntos criam uma nova maneira de pensar um edifício sacro.
               Werneck sempre considerou seus painéis um complemento da arquitetura. Pensava também, que toda obra de arte de sua autoria era  um bem público. De fato sua obra constitui-se em valiosíssimo patrimônio das artes brasileiras, entretanto, seus mosaicos ganham vida própria sem depender da arquitetura. Estes estupendos mosaicos são, por si só, importantes testemunhos de uma época fértil nas artes, da qual herdamos peças de uma qualidade e um bom gosto extremos.
               Os jardins da autoria de Burle Marx, bem característicos da época, também abusam das linhas curvas e dão o complemento luxuoso ao conjunto.


               O maravilhoso painel de Cândido Portinari retratando cenas da vida de São Francisco de Assis a quem a igreja foi consagrada. A cobertura em ondas é ao mesmo tempo. telhado e paredes laterais. A alvenaria de tijolos fica restrita apenas à essa parede dos fundos, já que as outras, viradas para o lado do lago, são destinadas às aberturas e panos de vidro. Essa edificação é também (nunca devemos esquecer) um tributo à engenharia brasileira. Aplausos para o calculista!


               Detalhe do painel com Francisco em destaque. Interessante a presença de pássaros e peixes no pano de fundo da composição, lembrando não somente que o santo é o padroeiro dos animais, mas também o local em que a igrejinha está localizada. 


 Lindo.



Lindo novamente!


               O respeito do artista pelos traços da arquitetura de Niemeyer é entendido nos desenhos fortes que evidenciam as linhas ousadas da cobertura. A árvore parece querer sustentar a laje, como quem desacreditasse na capacidade de algo inovador resistir ao tempo e às forças da natureza. A simplicidade inerente à personalidade e vida do santo é bem representada pelos animais, mesmo que a estrutura imponha um ar nada humilde de ousadia.


               Detalhe que mostra a dramaticidade da figura humana. Legal a força impregnada nas imagens das mãos. O azul em diversos tons lembram nossa origem portuguesa. É a nossa releitura das paredes azulejadas trazidas da Península Ibérica. Por lá igrejas totalmente revestidas com azulejos são muito características.


               Uma perspectiva de quem chega por trás da igrejinha. Os painéis de Portinari dão à parte posterior da edificação uma tamanha importância que rompe com a hierarquia entre as elevações. Qual a mais bonita? Qual a mais importante? Qual a principal? Fragmenta-se tal relação, ainda que a entrada e o campanário fiquem voltados para o lago, e a circulação de pedestres tenha maior fluxo na beira da água. A implantação bem solta desse edifício rodeado de jardins facilita o caminhar ao seu redor e por conseqüência permite a franca observação de todas as faces.
               Não é por acaso que o arquiteto provoca a dúvida quanto ao peso de cada parte da estrutura. Como aquilatar as obras dos mestres? Portinari tem mais valor que Werneck? O desenho sublima o cálculo? O batistério é mais importante que o campanário? Claro que não! Ele brinca e rompe com todos os referenciais de hierarquia, assim como rompe com o estilo das catedrais de então. É uma obra para apreciar e para pensar! Sensacional.          
    

               Uma maravilhosa vista noturna com a igreja cenograficamente iluminada e espelhada na Lagoa da Pampulha. Bonito o detalhe da renda que sobe pela lateral do campanário. Contudo, o que mais chama a atenção nessa foto é o claro efeito visual do reflexo na água que cria a ilusão de fechar a parábola. Com esse reflexo, proposital ou não, isso é irrelevante, cria-se a imagem de um cone que  orienta todas as atenções para o interior da igreja em direção ao belo altar. Oscar Niemeyer certamente sabia o que estava fazendo, daí sua genialidade. Mas quando isso ocorre sem ser previsto e a arquitetura cria vida além da prancheta, por razões que o arquiteto desconhece ou não previu, tem-se a certeza de que surgiu uma obra única.


               Perspectiva mostrando o interior da pequena nave. Apenas um dos dois púlpitos do projeto original foi executado. O da direita foi suprimido na execução e o da esquerda foi revestido com azulejos decorados por Portinari, em tons de azul e branco, como referência aos painéis externos. Dois longos volumes horizontais que podem servir de bancos também foram revestidos com azulejaria bicolor e trazem o tema de animais recorrente na ambientação. Esta espécie de sócalo fica totalmente livre e mantém o observador longe das telas que retratam as estações do martírio de Cristo, também de autoria do mestre Cândido Portinari.
               No croqui acima, a seta indica a entrada principal pela parede de vidro da fachada. A circulação se dá sob o mezanino (provavelmente destinado ao coral) e exatamente no meio de sua escada de acesso e do batistério. Esse batistério fica também sob a laje plana do meio andar superior e é ricamente adornado com placas de bronze em altos relevos. Os traços orgânicos do batistério dialogam com os púlpitos na outra extremidade do piso, rebaixado à cota padrão da área externa. No desenho original os quatro elementos curvos ficam posicionados cada qual em um dos cantos do retângulo da nave destinada aos bancos.
               A quarta onda da extremidade direita sugere um alpendre. Uma passagem protegida ligando as duas fachadas que hoje em dia é fechada. Prefiro como está. Mas mesmo assim a solução me parece simpática.


               Vista interna da capela. Os diferentes acabamentos dos dois volumes da nave (paredes e tetos) criam uma extraordinária moldura para a pintura do altar. O revestimento em madeira na parte destinada aos fiéis em contraste com a tinta branca sobre da laje do altar confere movimento e sobreposição a um interior já bastante rico desses efeitos. A sutil escada de dois degraus não rouba a atenção e mesmo assim enfatiza as diferentes áreas da igreja e sugere a hierarquia habitual nesses templos sem, contudo inibir a circulação ou constranger os fiéis.


               A pintura do altar, em tons terrosos e toques avermelhados, é de uma força suprema. Os traços modernos e a composição bem ao gosto da época fazem deste mural uma das obras mais importantes da história das artes plásticas no nosso país. Historicamente é um marco, assim como o edifício. Um complementa o outro.
               A curiosidade recai no fato do pintor ter colocado a figura de um cão ao lado do santo. Nada mais pertinente dado ao fato de que São Francisco é o padroeiro dos animais. Todavia, não era exatamente isto que a Cúria tinha em mente e contrariada com a figura de um cão em um altar sacro (sem as tradicionais representações cristãs) adiou durante vários anos sua consagração prorrogando uma situação desconfortável e desnecessária.


               Acima o volume do maravilhoso púlpito: linhas leves e simples como pano de fundo para o traço inconfundível do pintor. Aqui o arquiteto respeita o artista amigo e lhe dá uma tela em branco para servir de base para a expressão máxima de sua mente brilhante. Como resultado surge uma obra prima das artes brasileiras.


               Adoro este detalhe da arquitetura de Niemeyer! O desencontro das duas lajes parabólicas cria uma nesga iluminada que lança luz sobre a parede do altar e propicia uma iluminação natural durante o dia. Como existe uma sobreposição generosa entre as lajes superior e inferior, a luz solar nunca incide diretamente sobre a pintura, o que poderia ser catastrófico para sua manutenção. O que se tem é uma claridade contida, suficientemente capaz de iluminar a grande obra sem danificá-la. Essa claridade acentua ainda mais a diferença entre o teto quente e texturizado de madeira corrida com a lisa e fria pintura branca reservada aos lados do altar.


               Duas imagens externas da nesga que traz luz natural ao interior do altar. Na face de topo o acabamento segue com o mármore em tons de terra em contraste com o azul claro das pastilhas. Se perceber bem a igreja é todo um conjunto que repete interna e externamente o mesmo jogo cromático, bem como a alternância de texturas.

 


Um comentário:

  1. Parabéns! Sua análise arquitetônica é fantástica! Como futura arquiteta. Obrigada.
    Eugenia Coeli

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