Livraria lello

Livraria Lello na Cidade do Porto

               A Cidade do Porto, localizada no litoral norte de Portugal, é mais que encantadora, é belíssima. Andar por suas ruas a avenidas causa em pessoas como eu um inexplicável prazer. Uma série de belas edificações surge em um conjunto harmônico e de grande peso histórico que registra séculos da vida nas margens do Douro. Rica em patrimônio cultural, artístico e arquitetônico é um museu a céu aberto. Vários monumentos saltam aos olhos e encantam com todo o esplendor das melhores construções portuguesas. 

               Mas dentre tantas belezas uma deve garantir destaque. Nada de espalhafatosa, nem mesmo um pouquinho pretensiosa, a sede de uma livraria de renome está lá, no coração pulsante dessa Capital:

 Livraria Lello.

               Ancorada em um dos endereços comerciais mais nobres dessa grande cidade do norte, convive em paz e sabedoria com seus vizinhos mais ilustres que podem roubar a cena e privar o pedestre mais afoito de uma agradável visita aos seus domínios. Não se deve deixar que prédios como o enorme edifício sede da Reitoria do Porto e a Igreja dos Clérigos com sua fantástica e famosa Torre sineira eclipsem a presença desta pequena fachada branca.

Acima foto da fachada com sua alta platibanda rendilhada e os desenhos da Arte e da Ciência 

representadas por alegorias femininas ladeando as três janelas superiores.

                 Sorte que por fora a loja já é muito bonita, porque convida o pedestre a entrar na maravilha do seu interior. Esse edifício foi construído no ano de 1906 pelo engenheiro Francisco Xavier Esteves, sendo, bem no início do século vinte, uma das primeiras obras a adotar o cimento armado na Cidade do Porto.

               Situado na rua das Carmelitas, ocupa a totalidade de seu terreno, cuja tipologia de fita (terreno profundo com pequena frente) é responsável pelo partido arquitetônico que colou suas laterais em seus dois vizinhos deixando somente a fachada à mostra. No meio de um pequeno quarteirão, quase esquina com a Praça dos Leões, exibe seu comércio em duas pequenas vitrines que ladeiam sua única porta de entrada. É um típico exemplo de como um ambiente pode ser surpreendente! 

               Iluminada por uma colorida clarabóia, que ocupa o vão central bem delimitado pelas frisas com balaustrada de madeira, a livraria tem a luz filtrada por entre seus vidros ricamente decorados que apesar de trazerem claridade para o interior, não aquecem em demasia o ambiente. Dessa forma todo o espaço se mantém permanentemente fresco, ideal para a conservação e exposição de livros, devido em parte ao pé direito muito alto. No vitral da foto aparecem o monograma e a divisa da casa comercial.

               Ao fundo, depois desse teto translúcido, nota-se na imagem, o belo trabalho de gesso (agora, do teto da saleta voltada para a rua) que resulta numa renda em alto relêvo em fina composição com a decoração dos pilares, bem ao gosto do estilo neo-gótico. A escada locada bem no centro do estabelecimento cria uma espécie de ponte que liga os dois lados do andar superior da loja e otimiza a circulação interna. 

O desenho dos vidros coloridos ao estilo neo-gótico, tal qual a decoração circundante do teto.

Detalhe da clarabóia com o brasão do estabelecimento comercial.

               Famosa no mundo inteiro por suas caprichosas publicações e considerada atualmente como sendo a terceira mais importante do mundo, a Livraria Lello é um patrimônio da Cidade do Porto e é recompensada pela admiração e respeito de toda a sociedade portuguesa. Sua sede recebe o mesmo carinho e consideração, fazendo parte da lista de bens tombados pelo patrimônio histórico e artístico do país.

             Esta edificação de época traz consigo o peso da notoriedade e responde com competência à toda expectativa do fiel cliente leitor, mas, apesar da grande tradição do nome e à indiscutível beleza do prédio, nada atrai mais os curiosos à loja do que sua célebre escada de madeira.  

                Levantada com invejável perícia bem no meio da loja é vista imediatamente quando nela se entra. Realmente rouba a cena e domina a perspectiva! 

               Essa escada é uma das coisas mais legais que já tive a oportunidade de ver. Ainda que esteja em um edifício com muita decoração neo-gótica, é bem Art Nouveau. Todinha em madeira, tem um formato único. As linhas orgânicas não se limitam ao corpo da escada, em seu "quase nó" (se me é permitido tentar explicar dessa maneira) mas acompanham o formato dos próprios degraus arcados. Praticamente não há um degrau reto e se prestar bem atenção a escada é vencida em apenas um lance!

               Tanta sinuosidade pode parecer perigosa, mas incorre em engano quem pensa que esta escada oferece risco maior que qualquer outra. Na verdade muito confortável, é desfrutada por àqueles que sobem e descem carregados com volumes de livros: afinal, serve a uma livraria! Não é raro também, encontrar um leitor entretido em sua leitura sentado confortavelmente em um de seus orgânicos braços.

Mais um ângulo da escada.

               Os detalhes de gesso pintados na cor da madeira sob o piso do pavimento superior em contraste com os do teto. Enquanto o andar de baixo tem uma decoração mais escura, densa e rebuscada o andar superior é muito mais iluminado e aberto.

               Anos de atuação no ramo das letras e um acervo invejável, transformaram a Livraria Lello numa instituição cultural dos lusitanos. Mas na sua loja o visitante não vai achar somente obras raras. Vai também vivenciar um pouco de história e cultura. Basta dizer que ainda são mantidos os carrinhos de madeira que recolhem os livros. Presos em trilhos metálicos fixados ao chão, contornam a loja como sempre fizeram: é pura poesia! As paredes revestidas de estantes abarrotadas de títulos é pura nostalgia. Já os detalhes, filigranas, requinte e luxo é puro romance! Passar pela porta e deixar o mundo real lá fora é pura ficção! Em síntese, a loja em toda sua arquitetura, é pura literatura.

               Mas dentre todos os gêneros, nada se compara à aventura de subir e descer a tal escada! Protagonista da obra maior, ocupa lugar de destaque bem no centro da loja. Seu formato com tantas voltas é corajosamente feminino, assim como os mistérios que guarda: sempre paira no ar uma dúvida quanto a maneira como foi feita. Mas assim o foi, e com um contorcionismo desconcertante! Toda essa magia em torno de sua forma é justificada: teve origem na necessidade de vencer a altura fora do comum da loja, sem contudo, ocupar muito do espaço interno. Como a loja não é muito larga o artesão se viu obrigado a deixar espaço suficiente nas laterais para permitir a fixação das estantes e não interromper a circulação de clientes e funcionários.

               A cor vermelha com que são pintados os seus degraus, provoca ainda mais o observador que não consegue ficar blasé à vontade de subir ao mezanino. É mesmo impossível ficar indiferente à magia dessa peça. Ricamente decorada por baixo e suportada por apenas dois delgados pilares de madeira se traduz em uma fina peça de carpintaria. Inesquecível.

               Na fotografia acima o ângulo de quem observa a escada do fundo da loja no andar térreo. O tom vermelho da pintura dos degraus, feita com uma tinta plástica que não somente protege a madeira como assegura uma superfície anti-derrapante, confere dramaticidade ao conjunto. O ar solene impresso pelo tradicional e austero estilo neo-gótico é quebrado pela intensidade da cor e pelo brilho da superfície lisa.

                Portugal é um lugar que deixa saudades e a vontade de voltar logo ao Porto para rever suas riquezas não sai da mente. Não vejo a hora de brincar de subir e descer novamente estes degraus e me deliciar com seu desenho tão diferente e inovador ...