quarta-feira, 18 de julho de 2012

Aldravas de Cartagena

               Cartagena Das Índias, na costa caribenha da Colômbia, guarda inúmeros segredos que aos poucos se revelam aos sortudos que passeiam por suas ruas coloniais. Um desses seus encantos e logo um dos primeiros a serem revelados é o conjunto de aldravas exibido por todos os lados, nas portas principais de edifícios públicos ou particulares.
               Ao percorrer suas estreitas ruas em suas também estreitas calçadas o observador é brindado com uma enorme quantidade desses objetos muito fáceis de serem notados. Sempre exibidos com orgulho nas inúmeras portas que se sucedem, criam um desejo inevitável de procura por uma ainda mais bela ou totalmente diferente. E assim acontece: ficamos presos ao desejo de encontrar uma que ainda não foi fotografada.


               Surgidas na Idade Média, essas charmosas peças metálicas são fixadas nas portas de entrada para serem usadas como batedor. Usualmente executadas em ferro fundido, podem também aparecer em latão ou bronze. Muito úteis, potencializam o som quando batidas na pequena peça metálica em contato direto com a porta. Em vez de bater diretamente sobre a madeira, a pessoa chama o morador por meio da aldrava. Este costume foi trazido da Europa pelos colonizadores espanhóis.


               A variedade de temas e estilos é imensa e mesmo que se repitam nas diversas portas da cidade, sempre formam um conjunto diferente, já que é muito difícil as portas serem iguais. Muito coloridas as aberturas podem ostentar desde a cor natural da madeira até cores vibrantes e bem acesas. Portas azuis, amarelas, alaranjadas, violetas, verdes e vermelhas pipocam por toda a cidade que tem como uma das características arquitetônicas as variadas cores aplicadas tanto em suas paredes como em seus elementos de madeira.


               Cartagena das Índias, no litoral colombiano é uma cidade deliciosa e muito acolhedora. Exala romantismo em todas as esquinas da sua porção antiga e amuralhada. Essas aldravas existem por todos os lados e acentuam o ar nostálgico dos bairros coloniais cercados pela alta muralha espanhola. Ninguém passa imune ao seu charme e o conjunto não passa despercebido aos atentos olhares dos que passeiam por suas floridas e muito coloridas calles. 



               Ainda que tenham um ar de antiguidade, estas peças são na sua maioria contemporâneas. Quase todas as aldravas (ou aldrabas, como dizem os de língua espanhola cuja versão também é aceita pelo português) das portas de Cartagena não são mais as originais. Mas isso pouco importa! Pelo fato de imprimirem à porta principal da moradia um ar mais cerimonial, carregado de tradição e história, podem passar a ideia de serem muito caras. De fato não. Podem ser encontradas tanto em antiquários, cheios de autênticas peças do passado espanhol, como em qualquer loja de ferragens com as versões mais modernas e baratas. Desse modo, estão presentes em todas as ruas, fazendo as vezes de campainhas em casas modernas, antigas, restauradas ou em processo de modernização.



               Podem aparecer nos mais diversos acabamentos: polidas ou foscas, douradas ou ferrosas. Podem apresentar sintomas do tempo e dos maus cuidados assim como podem ser muito bem conservadas e limpas. Tem de todos os modos e para todos os gostos. E isso é que dá toda a graça a coisa. É muito prazeroso andar pelas ruas estreitas dos bairros antigos a procura de uma inédita ou diferente aldrava. Como as casas dessa porção, de traçado antigo, não possuem afastamento entre si e nem mesmo recuo da rua, os pedestres andam muito próximos às portas e janelas e a sucessão de aberturas junto ao passeio é interminável. 



Acima um peixe voador.
Abaixo um pequeno lagarto.



               As próprias aldravas podem ter sido sim no passado um símbolo de status e poder, afinal eram peças forjadas. Mas, o que media mesmo a importância do morador por trás da porta de sua casa era a quantidade das peças metálicas que parecem botões ou rosetas aplicadas na face externa da porta. Quanto mais  melhor. Na fotografia acima os botões aparecem ladeando a figura de peixe que tem a aldrava em sua boca. Esse peixe tem desenho bem europeu e reproduz aquelas imagens muito comuns nas fontes e elementos decorativos de interiores.


                 Bem delgada e dourada a aldrava mostrada acima é muito diferente da maioria. A figura do peixe  não caracteriza nenhuma novidade. O que é interessante é que a peça move-se inteira. Não há nessa, uma divisão clara entre suporte e batedor. Sem argolas ou elementos pendurados, o peixe articula preso pela barriga e bate sobre um bola colada à sua boca. Onde a mão toca o dourado fica mais polido e aparente.


               Essa acima me parece uma cabeça do deus grego dos mares Poseidon (Netuno, para os romanos). Note a presença do tridente com o qual manipulava e manifestava seus poderes. Nada mais simbólico para uma cidade costeira e nada mais interessante do que provocar o som através do próprio tridente em clara referência ao poder do deus que empunha o objeto.


Mais um lagartinho.


Peixes.


               Adorei a aldrava anterior com ares de deus pré-colombiano. Essa figura me passa um ar bem indígena com sua cabeleira em caracóis ou qualquer coisa assim. Das que encontrei era a mais "colombiana" de todas. Pena que a parte inferior apresenta medalhão e arabescos que destoam do estilo da cabeça com suas belíssimas nervuras. Abaixo um dos muitos lagartos. Este em especial segura um batedor que apresenta um concha. Símbolo de Santiago de Compostela invadiu o mundo colonial espanhol que absorveu com muita facilidade por se tratar de um elemento marinho. Legal a fusão do animal dos trópicos com a concha européia.   


"o sorriso do lagarto"


               A aldrava da foto acima é bem moderninha, apesar de ostentar um desenho bastante clássico e comportado. Um gosto mais anglo-saxão que os demais. Prefiro as com figuras humanas, animais ou mitológicas.


               Há quem diga que as peças com caras feias e assustadoras são propositadamente escolhidas para afastar os maus espíritos e maus-olhados. Não seria o primeiro lugar no mundo a levar este aspecto em consideração. 


               A sereia não poderia faltar! A imagem da personificação feminina aparece muito pouco, restrita apenas à personagem fabulosa que povoa o imaginário marinho. Flores também são muito poucas; folhas, frutos, astros... nada disso! A preferência recai sobre os animais, como cabeças de cavalo, muitos peixes, leões, monstros animalescos, canídeos, pequenos répteis como lagartos e iguanas.


Novamente a presença da concha.


Mais uma cabeça de fera.


               As aldravas que retratam lagartos são as mais frequentes, seguidas de perto pelas que exibem peixes. Ainda que em maior número aquelas no formato dos pequenos répteis apresentam maior variedade, tanto nos moldes como nos acabamentos. Os peixes são todos muito parecidos.


As mãos são poucas, e sempre muito mais discretas que as outras.



Essa muito bonita mescla a figura de um animal com figuras humanas no batente.



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