sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Edifício Niemeyer em Belo Horizonte

               Datado de 1954, este edifício é uma, dentre tantas outras maravilhas erguidas na cidade de Belo Horizonte que levam a assinatura do mestre Oscar Niemeyer. Este em especial foi batizado com o ilustre sobrenome do autor. 
                Localizado na mais importante praça da capital mineira, bem próximo ao palácio do governo do Estado de Minas Gerais, faz conjunto com diversos outros grandes exemplares da arquitetura local, no que é conhecido como o "Circuito Cultural da Praça da Liberdade". Este circuito engloba todos os prédios situados ao redor dessa grande praça, dos quais o Niemeyer é o mais alto e o único residencial.


             Quase sexagenário ainda exibe linhas que encantam e surpreendem. E a realidade é que sempre foi e sempre será assim. Clássico da obra de Oscar é, em minha opinião, um exemplo de sua mais interessante e deliciosa fase, da qual surgiram verdadeiras obras de arte. Projetado seis anos após o revolucionário conjunto da Pampulha, deu continuidade à inovadora trajetória do autor que pouco tempo depois iria projetar os principais monumentos da nova capital.  
             Dotado de apenas dez pisos ele aparenta ser mais alto do que realmente é. Essa ilusão quanto à altura e quantidade de pisos existe em razão de um truque do arquiteto: as marquises em ondas são em número maior que as lajes dos apartamentos; isso porque existe uma marquise a meia altura que divide o vão, de cerca de três metros de altura de piso a piso, em dois. Essa marquise provoca a ilusão de que existem mais andares.
              Quando visto de longe o edifício exibe outro efeito bastante peculiar provocado pelas fatias de concreto armado: suas janelas quase desaparecem, permitindo que a estrutura ondulada crie um conjunto muito coeso e uniforme graças à grande repetição. Essa fachada harmônica adota um padrão de listras horizontais que ganham dinamismo e personalidade graças ao formato orgânico da planta baixa. Essa planta baixa por sua vez divide o pavimento tipo em dois apartamentos de diferentes tamanhos. Um, maior voltado para a frente da praça e outro menor voltado para a parte de trás do pequeno terreno.     


               Erguido em um terreno de esquina onde antes existia uma residência burguesa de estilo eclético, conhecida por Palacete Dolabela, passou a exibir as linhas modernistas que o faria célebre e admirado em todo o país. Mas essa modernidade inventiva de Niemeyer não abandona por completo os ditames históricos de estilo. Esse fator ilusionista que dá a impressão de que o prédio tem 15 andares ao invés de somente 10, é um recurso trazido dos tempos da arquitetura barroca muito presente na cultura mineira.


               Na fotografia acima aparece o alvo cilindro das escadas que é o único volume liso das elevações. O prédio não tem aquelas tradicionais fachadas, pois sua forma orgânica permite que tenhamos  várias elevações a medida em que giramos em torno do seu corpo. Gosto muito desse efeito de quebra dos limites e hierarquias dentre as diversas fachadas. Essa obra elimina o costume brasileiro de privilegiar uma das faces do edifício em detrimento de outras. Aqui todas funcionam da mesma maneira. O que é mais notável nesse caso é que apesar delas manterem uma mesma linguagem e status o prédio não perde sua orientação, ou seja, ele ainda tem sua principal entrada voltada para a praça. O que determina essa orientação é o próprio terreno e a implantação do prédio, que orienta a entrada principal para a rua mais importante limítrofe com a grande praça. O terreno apresenta também um desnível vencido por um patamar que isola a portaria social dos demais acessos. 

 

               O volume com seu perímetro curvo e irregular, ganha mais destaque com o declive da rua ao lado. Nesse ângulo do terreno, a altura resultante da curva de nível solta ainda mais o "corpo fatiado" e o distancia do solo. A altura da área dos pilotis contribui para a leveza do conjunto.
               As finas fatias de concreto funcionam como brises horizontais que protegem o interior do apartamento da visão externa além de diminuir os efeitos do sol. Privacidade, conforto ambiental e higiene das habitações garantidas por um recurso estrutural de intensa beleza. A arquitetura modernista usou e abusou da eficácia desse recurso para garantir um espaço interno mais ameno e agradável, mas, um problema nunca foi solucionado: a limpeza! Tais brises são lindos, porém, muito difíceis de serem e ficarem limpos por muito tempo. 


               Além de muito lindo o prédio é imponente e elegante. A planta-baixa que foge das linhas tradicionais resulta nesse exterior de linhas arredondadas que disfarça o formato ingrato do terreno: triangular. Não é tarefa das mais fáceis propor um prédio em um espaço desse formato. 
               O arquiteto aqui se supera e tira partido daquilo que poderia ter sido sua ruína. Desde o início foi uma mente genial e um profissional de categoria.
               A partir de seus três braços surgem superfícies côncavas alternadas com outras convexas. Nas curvas internas estão suas janelas, enquanto que nas outras externas, totalmente vedadas (as das três pontas), foram fixados os painéis decorativos de Athos Bulcão.   


               Os pilares locados na extremidade (no vértice de trás) que brotam do piso inferior e transpassam a laje do térreo  sustentam com graça o restante da torre. Já o muro de pedras em tons terrosos na parede da garagem ajuda a soltar do chão a linha bem demarcada do piso térreo. Infelizmente a porta da garagem não dialoga com nada e destoa por completo: precisa ser revista no decorrer das obras de restauro!



               Detalhes das paredes recapadas com os belíssimos ladrilhos azuis e brancos de autoria de Bulcão. É nítido o desgaste provocado pelos efeitos do tempo e principalmente pela incidência solar. Apesar de desgastados e descoloridos ainda são muito belos.


             Athos tem nesses azulejos sua mais notável manifestação artística e legou ao país peças de incomparável importância. Sua contribuição à arquitetura contemporânea, onde encontrou fértil campo para recriar e reinterpretar a cultura dos painéis, é uma rica e vasta fonte de pesquisa e inspiração. Desenhos modernos e efeitos obtidos com variada forma de dispor uma mesma peça, são características bem marcantes de seu trabalho. Essa forma aleatória de dispor os azulejos com grafismo modernista é exatamente a opção feita para a elaboração dos painéis que decoram o Niemeyer. A composição em duas cores e um desenho abstrato que forma um padrão homogêneo adquire um efeito maravilhoso.


                 Tamanha importância não salvou os painéis dos efeitos do tempo. Assim como toda a obra, os belos azulejos clamam por socorro e denunciam a falta de manutenção adequada do prédio. Vítima da falta de recursos e engessado pelo fato de ser um imóvel tombado, vive refém da burocracia estatal que não oferece meios rápidos e efetivos para viabilizar, o mais que tardio, processo de restauro.  


               Forma x Função: na fotografia acima fica fácil identificar as janelas correspondentes a cada andar. A primeira janela pertence ao andar inferior, depois cada andar tem duas fileiras de janelas separadas por uma laje. Um dos andares colocou uma película nas janelas junto ao chão pelo motivo óbvio de priorizar sua privacidade. Essas janelas devem ser revistas e reestudados seu mecanismo de abertura e forma de vedação. A limpeza dessas plataformas externas mesmo que fique a cargo do condomínio pertencem a cada morador individualmente e alguém tem que limpar. A forma da abertura da janela opaca da foto, denota que não é nada fácil fazer esta limpeza e que o acesso à extremidade de cada "asa" não é nada seguro. Problemas do projeto.



               É uma pena a existências de vários carros parados em vagas com tanta visibilidade. Isso mata o encanto. No local poderiam haver jardins, fontes, alguma escultura da época, etc... Os automóveis poderiam ser relocados.


               Acima o belo efeito da fachada contra o céu. Visto de baixo as lajes se sobrepõem e criam um resultado plástico fantástico. Abaixo uma amostra do desenho de gomos que uma das pontas adquire conforme o ângulo do observador. Nos dois, os ladrilhos, as janelas e as paredes dos apartamentos somem e só se vê a pilha de lajes.


               A má conservação do todo atrapalha a contemplação e traz à luz da realidade o sério problema em que vivem as propriedades tombadas pelo patrimônio histórico e artístico em nosso país. O tombamento é de interesse geral e deve mesmo existir, mas não devem as autoridades impor ao cidadão, neste caso o conjunto de proprietários, a totalidade dos custos necessários para a manutenção do bem. Temos que ter uma política sadia para fomentar a conservação de nossas obras e despertar na população o interesse em manter de pé representantes de estilos e épocas passadas, sem apagar da história e privar as futuras gerações do prazer de viver cercados por edifícios ricos em valores e significados.


Mais um ângulo que nos mostra o estado em que se encontra a estrutura.


Em certos momentos me lembra as linhas sinuosas do Copan.


               A porta da garagem é de muito mau gosto e muito pesada. Seu acabamento destoa de todo o resto. A parede de pedra poderia ditar a cor a ser pintada sobre a porta, substituindo o atual tom de cinza, tão escuro e com ar tão industrial. Os tons acinzentados deveriam ser exclusivos dos pilares e detalhes em concreto aparente e os demais objetos que seguem esta cor deveriam ser repintados com outras opções. 





            Uma das laterais do Niemeyer. O passaio público (de pedra portuguesa vermelha) imediatamente ao lado dos abrigos de veículos, vencendo o acentuado declive do terreno. Interessante o grande avanço da estrutura sobre a rua visto ao fundo. O ônibus e os pedestres dão a noção exata das alturas e da escala humana.
                Pois é, o projeto seria perfeito se não tivesse o problema de suas vagas para estacionamento e suas muito feias vedações. 
                Os gradis colocados para proteger os automóveis são horrendos e a própria existência desses carros estacionados, nos pisos a eles destinados é péssima. Parecem que dominaram todas as áreas de circulação, porque promovem uma bagunça que sufoca o projeto. É certo que os moradores do prédio mereçam suas vagas, disso não se tem dúvidas, não há o que discutir. Todavia, como se trata de um patrimônio nacional (não somente local, insisto!) os órgãos da administração pública responsáveis pelo seu tombamento e pela manutenção desse status, deveriam propor e fazer valer uma solução mais adequada para o problema. Problema, sim, afinal os carros ficam amontoados em locais muito nobres, atrapalhando a circulação e matando áreas que poderiam ter outro tipo de função. Com uma praça gigantesca à sua frente o prédio poderia dispor de um estacionamento subterrâneo por exemplo. E por que não?



Acima um canto mal tratado do teto que testemunha o atual estado de abandono do prédio. 


               O sofisticado detalhe do piso da portaria que segue a mesma cota do piso exterior é bastante lindo, mas merecia ter o mesmo revestimento de petit-pavé e acompanhar o conjunto, para passar a sensação de totalidade. A troca do material a partir da porta de vidro parece ir contra o desenho e a proposta do arquiteto. Posso estar errado, mas existem indícios de que o piso deveria ser uniformemente o mesmo, tal como o teto nivelado e mantido liso e a parede revestida com palitos de pedra. Essa parede que vem de fora depois dobra e entra no recinto é lindíssima mas, encontra na estrutura de alumínio uma barreira que quebra o olhar, atrapalha a unidade e destrói completamente a uniformidade do conjunto. Essa porta também vai contra os princípios do projeto. 


 A pele de vidro com sua porta bem leve e transparente deveria ter menos metal.


               A portaria com seus acabamentos originais e com a parede de tijolos de vidro em curva. A mesa muito mal colocada atrapalha a visão e destoa do conjunto.  Por se tratar de um espaço com dimensões bastante limitadas fica complicado montar um ambiente de estar e espera (as perninhas cruzadas sobre a mochilinha ilustram bem isso) e ainda assim acomodar com conforto um porteiro ou vigia. Tanto a medonha porta alaranjada do elevador como as pobres luminárias em formato de arandelas sugerem originalidade. Tenho lá minhas dúvidas, mas se forem mesmo da época da construção do prédio, são elementos tão pequenos dentro do conjunto que poderiam mesmo dar lugar à peças de gosto mais refinado.


               A bela curvatura da laje em contraste com o fundo do céu e com o poste de época. Assim como em outras partes os efeitos do tempo são notados. O prédio está em frangalhos!



               Na face voltada para a praça o prédio é quase na rua, sem qualquer elemento arquitetônico ou paisagístico que faça a delimitação entre a área pública e a semi-pública do condomínio residencial. Nenhuma grade, nem escadas, nem muros ou floreiras: nada. Ao mesmo tempo que encanta traz problemas. A marquise arredondada avança sobre a calçada de pedestres e acaba dando guarida às pessoas que buscam um ponto de ônibus muito próximo. As curvas muito pronunciadas dos pavimentos dos Tipo (pisos que contém os apartamentos) não encontram eco nos dois andares abaixo, inexistindo qualquer relação formal entre o andar da portaria com os demais acima. Quando visto de longe isso não se manifesta como um defeito e não altera em nada a beleza da composição, mas bem de perto causa uma confusão entre o que é de propriedade particular ou não. 



               A diferença entre os dois tons da pedra portuguesa, separados por um filete de mosaico (o mesmo mosaico aparece nas bordas das marquises) é a única informação de que ali existe uma delimitação de áreas bem distintas. A pedra de cor vermelha reveste toda a parte destinada ao passeio público enquanto que a pedra branca forra o chão da área de propriedade do condomínio.


               Na fotografia aérea de Gilson de Souza vemos o formato orgânico do projeto. A partir dessa imagem fica fácil entender como o prédio é implantado e como se relaciona com seu entorno. O jardim com desenho classicista e bastante acadêmico, que aparece na frente, acima da foto, é parte da Praça da Liberdade.
               O inconfundível traço do arquiteto com suas curvas faz lembrar outro magnífico projeto seu da mesma  fase: a sede do Lagoa Iate Clube (LIC) de Florianópolis dos finais da década de sessenta. Única obra do Oscar na capital catarinense o clube situado às margens da Lagoa da Conceição, ainda possui a cobertura com desenho muito parecido com este acima. Infelizmente todo o resto do clube foi completamente desfigurado pelas incompetentes e insensíveis administrações que se seguiram. A piscina que tinha o traçado na mesma linha foi parcialmente fechada e inúmeras coberturas e vedações foram  literalmente empilhadas sobre a estrutura original do clube: uma pena! Espero que o mesmo desrespeito com a arquitetura do prédio e com o direito autoral do arquiteto não ocorra aqui.


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