sábado, 28 de setembro de 2013

Sala de Concertos Harpa

"O mais belo prédio de Reykjavik": 
assim pode ser chamada, na atualidade, essa sala de concertos e centro de conferências da capital da Islândia.  


          Concluída no dia 13 de maio do ano de 2011 foi a vencedora do Mies van der Rohe Award de 2013 (prêmio de arquitetura contemporânea concedido pela União Européia). Por suas particularidades físicas e tecnológicas a Harpa tem todas as características de um prédio de ponta e abre o caminho para o surgimento de um novo traçado da linha litorânea da cidade, mais atual e moderno apto a receber outras maravilhas arquitetônicas.

          Obra dos escritórios de arquitetura de Henning Larsen e Batteriiõ em parceria com o artista dinamarquês Olafur Eliasson o projeto foi o vencedor de um concurso público internacional proposto em 2005.

          Implantada numa área, antes deteriorada, do porto de Reykjavik, com a intenção de recuperá-la e aproximá-la do restante do tecido urbano dessa Capital, a Harpa dá o ponta-pé inicial no embelezamento e ressurgimento dessa região como polo de cultura e entretenimento. A cidade que não é muito rica em patrimônio arquitetônico, sai ganhando com uma nova perspectiva de desenvolvimento assistido e controlado cuja intenção é aprimorar aquilo que já possui: uma implantação regular e ordenada dotada de um  belo resultado estético.

          Além de redefinir áreas da cidade e reordenar sua ocupação do solo, o  novo prédio sede da Orquestra Sinfônica da Islândia tinha a obrigação de se tornar um ícone local e um marco arquitetônico famoso em todo o mundo. Assim, com suas linhas bastante atuais (provenientes da total liberdade estética concedida pelo entorno pouco elaborado) o edifício surge junto à água como uma gigante escultura que encanta e atrai. Suas várias paredes revestidas de vidro refletem a luz solar em diversos prismas e com efeitos multicoloridos e deixa a todos extasiados com sua magnitude.


          Em três de suas quatro faces o prédio não toca o solo seco, impedido por um belo balanço sobre o pavimento térreo. Tal projeção do corpo superior "solta" a edificação e impede que as superfícies trabalhadas encontrem o chão. Esses balanços permitem também que se repitam nas bases dos "paralelepípedos" inclinações que dialogam com as inclinações das coberturas. O conjunto, na verdade, abusa dos efeitos de suas inclinações que rompem com o tradicional e imprimem um caráter escultórico. Já, na única fachada que cai diretamente sobre a água, esse balanço não existe e a parede encontra uma larga base de concreto quase ao nível da água. 

O excepcional trabalho das fachadas com esse resultado tridimensional, transformou o que seria simplesmente mais um prédio de vidro em uma obra arquitetônica de suprema beleza e originalidade.


          Acima  a forma como a parede vence a inclinação do prédio lembra, observada de perto, as linhas de pedra de uma pirâmide. A medida que se afasta essa impressão desaparece e a parede assume uma forma plissada.Abaixo a aresta da lateral esquerda mostra essa acentuada inclinação (da mesma fachada). Notar o sombreamento na linha de vidros lisos do pavimento térreo.


          Vedado com mais de 12.000 metros quadrados de vidros, o prédio mantém sempre uma tonalidade escura e dominante, sem contudo perder sua maior peculiaridade que é a presença de vidros que mudam de cor conforme a inclinação solar das variadas horas do dia e nas diferentes épocas do ano. Para potencializar este efeito visual diversos desses vidros possuem películas com cores distintas fixados de forma aleatória. A quantidade e localidade dos reflexos coloridos depende diretamente da luz solar incidente e da posição do observador. 

             As células formadas pela estrutura de alumínio que cobre todas as fachadas podem aparecer no mesmo nível formando paredes lisas ou projetadas para o exterior dando relevo ao desenho como se fossem prismas empilhados. Na imagem abaixo fica mais fácil notar ao acompanhar a linha do topo junto ao céu. Esta diferente forma de execução das paredes acaba dando um efeito muito bonito, pois as paredes lisas ficam mais espelhadas, enquanto que as outras promovem um efeito de paetês com diferentes pontos brilhantes ao longo de toda a fachada. Pode-se dizer que é um prédio "vestido a rigor".


          A inspiração da forma dos diversos favos de metal recapados com vidros reflexivos, veio das áreas do litoral da ilha dominadas pelas rochas de basalto. O prédio assume uma tonalidade escura ora acinzentada, ora esverdeada, mas que sempre brilha em reflexos multicoloridos valorizados pelo movimento das águas do mar também refletidos e espelhados nas células das fachadas.


Uma das paredes planas, vista por fora refletindo a água do mar e o pier  (cais) e depois do lado de dentro, desfrutando da vista debruçada sobre a marina.



          O nível do piso externo coincide com o interno na área do saguão que tem um pé-direito altíssimo e uma das poucas paredes de vidro liso em estrutura esquadrejada. Lindo o efeito da viga inclinada, que na verdade sustenta uma escada e sobe orientada para uma das quinas do edifício até encontrar o mezanino. Este recurso faz com que a parede com grandes panos de vidros lisos pareçam ainda maiores e diminuam visualmente o tamanho das portas de entrada que além de manterem certa distância entre si, parecem pequenas para dar vazão ao número elevado de pessoas que por elas devem entrar e sair nos horários de pico das noites de espetáculos; mas certamente um projeto desse gabarito não iria cometer tal equívoco. 



            A ideia da geometria que lembra favos de mel se repete no interior nesse belo trabalho de teto. As diversas facetas refletivas são também adotadas no interior do prédio com o claro objetivo de explorar ao máximo a reflexão da luz solar. Prédios totalmente revestidos com vidro são um problema em países com clima quente, mas em locais com um frio tão intenso como a Islândia eles são uma excelente opção.


          A estrutura metálica com seu intrincado e denso desenho passa a ser o elemento mais interessante de todo o conjunto. Aqui a transparência não é o principal objetivo e sim a captação e refração da luz solar. Durante a noite essa estrutura pode ser iluminada com tecnologia de Led e cada célula pode ser iluminada separadamente, exibindo diversas cores ou adotando um só tom, obedecendo ao desejo de um simples comando de computador.


     Internamente as áreas de circulações recebem acabamentos mais austeros com superfícies lisas e monocromáticas, para certamente não competir com as estruturas verticais das maravilhosas paredes externas. As sombras e os reflexos dos caixilhos e estruturas espaciais são projetados nas paredes e pisos internos multiplicando e replicando as linhas exteriores. 


          O ponto mais alto das fachadas atinge a altura de 43 m. (quarenta e três metros)  e a área útil interna ultrapassa os 28.000 m2 (vinte e oito mil metros quadrados).
          O prédio da Harpa possui um hall de entrada que serve como continuidade da grande esplanada externa, cafeteria, quatro salas de espetáculo, sendo uma menor com caráter polivalente e mais intimista, sala para ensaios, uma área para bastidores, camarins e vestiários além de um conjunto de salas para reuniões somado a uma flexível sala para conferências com apoio de bar e local para banquetes.        


          O entorno do prédio é pavimentado de forma simples e severa, concedendo apenas à água (presente em rasgos e espelhos) a função de adorno urbanístico. Deve-se entender que a cidade passa muito tempo sob um inclemente estado invernal e que a manutenção, preservação e renovação de vegetação torna-se uma tarefa de paciência e coragem. Justo por isso, o uso da rocha em conjunto com a água é a melhor solução. Trabalhar com linhas e superfícies de água intermediando áreas secas e bastante planas é uma interessante alternativa de paisagismo que aqui cai muito bem pois faz  referência à região portuária. Linhas modernas, equipamentos resistentes e mobiliário idem, complementam a esplanada. Na fotografia aparecem alguns dos cubos que orientam o caminho até a entrada principal do prédio. Elegantes lembram icebergs: referências à cultura, história, costumes e à geografia sempre caem bem! 

Abaixo uma vista noturna, quando o efeito multicolorido das lâmpadas de "Led" sobre os diversos vidros cria um aspecto de obra-de-arte vanguardista. O tom de chumbo com pontos brilhantes e coloridos é muito bonito.


          A seguir, seguem algumas imagens dos projetos disponibilizados e colhidos na internet.




Maquetes eletrônicas do exterior : cortesia de Henning Larsen Arquitetos.



Maquetes eletrônicas do interior : também cortesia de Henning Larsen Arquitetos.



A seguir algumas plantas baixas



          Na planta baixa imediatamente acima aparecem três dos quatro auditórios do prédio e na anterior o quarto e menor deles. A sala com maior capacidade é chamada de Eldborg e situa-se no volume principal da construção; internamente além de ser a maior e mais alta é também a mais bela e que produz o maior impacto. Todas, entretanto, a despeito do seu tamanho ou função, são dotadas dos mais eficientes recursos de acústica e conforto-ambiental. Cada qual homenageia um fenômeno natural do seu país, fazendo claras referências à flora, vulcões, fontes termais e Aurora Boreal.


          Analisando, mesmo que superficialmente, as plantas baixas fica fácil notar o número de facetas que o prédio possui em seu perímetro. As diversas fachadas sofrem alterações nos seus esquadros e ganham dobraduras que criam planos e sobreplanos. Todo esse movimento somado às paredes lisas e espelhadas com as outras trabalhadas aumenta os efeitos da refração da luz.  

Alguns cortes






          Maravilhosa!!!!! Nada menos do que isso é a Eldborg, também conhecida como Concert Hall. Com paredes de um intenso vermelho que cobre quase que a totalidade das superfícies da sala, o principal espaço de apresentações é de uma dramaticidade impactante! O ambiente que recebe 1.800 (um mil e oitocentas) pessoas sentadas  já é um show à parte. 


As outras (e também coloridas) salas de apresentações fazem claras referências à natureza do país.

          As cores seguem a interpretação dos projetistas que na sala abaixo optaram pelo amarelo que remete ao fogo de seus vulcões ou à vegetação que sofre os efeitos dos climas mais frios e ao marrom que lembra o basalto.


          Nesse outro ambiente prevalece o lilás, que remete aos efeitos da luz sobre o gelo; essa iluminação, entretanto, pode ser alterada imediatamente e assumir outra coloração que varia do branco total da mais límpida neve até o mais intenso dos verdes que lembra a Aurora Boreal ou ao mais turquesa dos azuis que colore as piscinas de suas fontes termais. As cores aquecem e humanizam o ambiente lembrando a todo o momento a força do patrimônio natural da ilha. É uma arquitetura com alma! Gosto disso!







segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Prédio Bacardi em Miami


                   Este extraordinário exemplar da arquitetura modernista, dos anos sessenta, da cidade de Miami é obra do arquiteto cubano Enrique Gutierrez. Terminado em 1964 em uma das esquinas da Biscayne Boulevard, Midtown, adquiriu tamanha importância para a cidade que foi, depois de uma enorme campanha liderada por um professor de arquitetura, incluído na lista dos seus monumentos históricos.
                   Exilada nos Estados Unidos da América após a Revolução Castrista, a empresa fabricante de rum sediou-se em Nova Iorque e mais tarde estendeu seus braços para a Flórida levantando em Miami este belíssimo exemplar arquitetônico.
                    Com linhas muito delgadas e um forte ortogonalismo o projeto orienta suas aberturas para as faces leste e oeste, paralelas à avenida principal, enquanto que as paredes norte e sul, de menores dimensões, restam totalmente vedadas. São nestas paredes que o edifício atinge seu clímax, com uma riquíssima decoração em azul e branco. As altas paredes exibem enormes painéis de desenhos brasileiríssimos, que passam uma ideia de tropicalismo muito conectada com a bebida. Ainda que estes desenhos tenham forte caráter regionalista (a maior prova disto é a presença de cajus, fruta típica do nordeste brasileiro e tema recorrente nas obras de Brenannd) seu apelo tropical é muito bem vindo e amplamente aceito no jeito de viver da cidade: bela fusão de culturas em uma iniciativa privada que serve de exemplo.
      
                

                   Com apenas oito andares de altura esse prédio adota uma modulação bem fracionada de seus caixilhos com o objetivo de provocar uma ilusão de ótica a fim de fazê-lo parecer mais alto do que realmente é. O observador é enganado pelo conjunto de pequenos azulejos e pelas várias folhas de vidro fixadas na horizontal. O que trai o projeto é a visão da lateral (vista da praça central e privada da propriedade) onde o volume da circulação vertical deixa aparecer a marcação das lajes, reforçada pela divisão da linha dos delgados vitrôs interceptados pela estrutura dos pisos. Mas esse detalhe não enfraquece a força do edifício nem compromete os diversos detalhes que mostram o capricho da composição.


                 Apesar de adotar linhas puras e volume simples, o projeto arquitetônico apresenta pequenos detalhes de extrema sofisticação e requinte, tal qual o par de leves e soltas escadas vistas do lado de fora do pavimento térreo, uma em cada extremidade do edifício de planta baixa retangular. Essas belas escadas brotam do teto (e preenchem o vão criado pelo balanço na área do alpendre) e aterrizam suavemente no nível da praça. Outros detalhes dignos de nota são a alternância das paredes decoradas com as outras envidraçadas e o volume dos elevadores bem solto e definido que abriga uma faixa também desenhada que culmina com um medalhão onde está o nome da marca de rum. 


Infelizmente o dia, em que fotografei o prédio, estava nublado com momentos de chuva fina, porque em dias ensolarados os grandes painéis azulejados ficam inacreditavelmente belos com o contraste entre os diversos tons de azul e seu fundo branco muito mais evidente.
          

                    Estes magníficos murais de azulejos quadrados pintados nestes vários tons de azul sobre campo branco, são obra do ceramista brasileiro Francisco Brennand e datam de 1963. Feitos inteiramente no Brasil, foram transferidos e fixados nas fachadas do prédio em 1964, data da conclusão das obras civis.


                    Acima o painel com o nome da famosa bebida e abaixo a assinatura de Francisco Brenannd, acompanhado de seu logo e a data de fabricação das cerâmicas.


                     Foram utilizadas cerca de vinte e oito mil peças de cerâmica em todos os murais (que revestem externamente as paredes cegas) da torre principal do conjunto de edifícios da Empresa Bacardi da Biscayne Boulevard. Todas elas feitas a mão, retratam flores, frutos e folhas em linhas abstratas muito características do trabalho do artista pernambucano.

              A iniciativa de buscar um artista plástico distante (ainda que renomado) e permitir sua livre interpretação artística, cujas linhas marcantes emprestam ao conjunto um ar bem tropical com um incontestável acento latino, é uma prova de que a boa arte não tem fronteiras e nem data. É certo, entretanto, que a localização da cidade em uma região quente, ensolarada e ventosa (à beira do mar do Caribe) somada ao DNA cubano da Bacardi, bem como às características inerentes do produto fabricado, formam um conjunto de fatores muito receptivo ao estilo do autor.  

                     Em 1973 a empresa ampliou seus escritórios em um anexo separado por uma praça seca - onde se encontra no piso um mosaico com o logo do morceguinho. Este anexo não decepcionou e manteve em alto nível o padrão arquitetônico do conjunto. Este segundo edifício adota também linhas retas e modernistas mas, segue um partido completamente diferente do seu antecessor. Quadrado, suspenso do chão por um volume central que figura como um largo e denso pilar, permite um uso maior da praça oferecendo uma larga área sombreada como se fosse um cogumelo gigante. A parte elevada o prédio é totalmente forrada por um vitrô multicolorido que é uma verdadeira obra de arte a céu aberto. O intrincado vitrô forra as quatro fachadas e veda os dois pisos de escritórios retratando em seus desenhos o processamento da cana-de-açúcar sob a ótica abstrata de seu criador: o alemão Johannes Dietz.




 Bonito o efeito promovido pelas cores fortes dos acabamentos. Em destaque o contraste entre a vitrificada cerâmica em azul cobalto do muro de arrimo da praça e o forte alaranjado no recuado corpo da base. 

           

                   Várias vistas dos maravilhosos vitrôs feitos na França; acima durante o dia e abaixo durante a noite. Interessante (visível na foto diurna) o recurso de abertura dos basculantes que emolduram o painel desenhado.





               Acima folhas e abaixo frutos (cajus e romãs) e flores gigantes. Interessante o efeito dado pelo escurecimento da fachada na área onde a iluminação fica deficiente. Apesar da falha no projeto luminotécnico (se é que existe!) que cria focos mais iluminados que outros, é possível ver como a parede se comporta com diferentes graus e potências de luz. A luz branca e bastante clara é a ideal para o desenho bicolor. Abaixo uma visão do edifício com a parede em destaque. É certo que se trata de um prédio de época e deve, portanto, marcar a técnica construtiva e o estilo de seu tempo, mas se o caixilho fosse tampado pelos vidros e a estrutura fosse mais leve o tal peinel artístico teria um impacto ainda maior.


                 É uma pena que essa obra não seja do conhecimento da maioria dos brasileiros, até mesmo dos estudantes de arquitetura e artes plásticas. Lastimável também é a total falta de informação a respeito do prédio dos que escolhem Miami como destino de férias. Miami é muito mais do que uma simples parada para compras!