sexta-feira, 16 de maio de 2014

O Leão de Lucerna

               Lucerna na Suíça é um daqueles lugares onde o visitante se sente acolhido de imediato. Não é muito grande e nem muito populosa e ainda por cima exibe uma série de belas igrejas em meio à típicos edifícios da arquitetura local em um traçado que mantém seus monumentos muito próximos uns dos outros. Por essas características torna-se muito agradável de ser visitada. Mas esse sentimento de bem-estar não deriva somente da fácil visitação de seu centro histórico, beneficiada pela concentração de suas principais atrações turísticas, mas também por outras razões: um povo reservado na medida certa sem perder a simpatia, proporções humanas mantidas no conglomerado urbano, tráfego seguro e eficiente, limpeza exemplar, estabelecimentos comerciais que variam do mais antigo e tradicional ao mais moderno e vanguardista, boa culinária e por fim, as famosas "paisagens de embalagem de chocolate" que emolduram todas as perspectivas da cidade. 
               Para os menos afortunados, um dia somente é suficiente para uma bela visita, entretanto, para quem tem a sorte de poder desfrutar umas horinhas a mais nesta cidade, o tempo extra reserva boas surpresas. Para uma visita curta não há como fugir de um rápido passeio ao longo das duas margens do rio Reuss, cruzando a famosíssima ponte de madeira para ir de um lado ao outro e cumprir com a agenda turística obrigatória. 



            Se o tempo disponível for maior, outros passeios são oferecidos para conhecer mais a fundo sua história e seus arredores, além da incomparável oportunidade de entrar onde e quando quiser para sentir de fato como é a cidade. Em ambos os casos Lucerna se mostra encantadora, mas certamente ninguém deve sair de lá sem apreciar, aquela que é em minha opinião, uma das mais instigantes esculturas do país. Falo do Löwendenkmal ou Leão de Lucerna.

                    É uma estátua de pedra, que representa um leão agonizante, criada em homenagem à Guarda Suíça que defendia o Rei Luís XVI e que tombou durante a Revolução Francesa.

               Esculpido diretamente na rocha, ao centro de uma parede de arenito, onde no passado funcionou uma pedreira (hoje dentro dos limites da cidade) aparece deitado de lado dentro de um nicho, do qual pende uma de suas pernas em pleno estado de cansaço. Sua face moribunda revela o estado do animal, mortalmente ferido pela flecha que resta quebrada e encravada em seu dorso. Toda a agonia do felino, nesse seu martírio permanente, encontra seu contraponto na maciez de sua juba e na agradável sombra de seu leito eterno.  
                
                 Por estar acostumado a sempre  ver esculturas de leões fortes e altivos, ora como guardiões, ora como reinantes, tive aqui um impacto realmente perturbador! A representação que homenageia a Guarda de mercenários suíços massacrados por revoltosos na Revolução Francesa em 1792, em defesa da família real nos domínios do Palácio das Tulherias, é tocante! A homenagem é linda! 

              Com desenho assinado pelo escultor dinamarquês Bertel Thorvaldsen, de linhas claramente classicistas, celebra a honra humana e é dedicado à coragem desses suíços. O leão, ainda com um sopro de vida, resiste e protege um brasão com a Flor-de-Lis (símbolo do rei francês) e é amparado por outro brasão, agora com a cruz suíça. Não tenho palavras suficientes para transmitir a força desta obra-prima. 

               Já como registro histórico, traz  gravado na rocha os números dos homens mortos, feridos e sobreviventes no levante. Uma inscrição em latim traz a seguinte frase: HELVETIORUM FIDEI AC VIRTUTI, que significa "`a lealdade e bravura dos suíços".


               Junto ao paredão e mantendo separados em confortável distância seus observadores, um pequeno lago de água bem escura (que ganha nuances esverdeadas conforme a luz do sol), amplifica ainda mais o ar nostálgico da estátua.


               Talvez sem paralelo no "mundo das esculturas de animais", este leão executado pelo alemão Lucas Ahorn e terminado no ano de 1821, é realmente impressionante. Nem tanto por sua enorme proporção (com cerca de dez metros de comprimento), nem mesmo pela dramática e dificílima forma com que foi criado e executado (esculpido diretamente na rocha), mas sim pelo comovente retrato e verdadeira homenagem.  


               O mais interessante de tudo é o silêncio que predomina no ar! Parece que muitos, ao fitarem a escultura e se darem conta de sua mensagem, ficam solidários com o sofrimento expresso pela imagem do animal. Recolhido em seu leito de morte, abatido e ferido pela lança do inimigo, provoca no visitante um sentimento de cumplicidade que assume um ar respeitoso e bastante contido, eventualmente (ainda bem!) quebrado por uma ou outra criança alheia à toda carga simbólica da alegoria. Fico imaginando a sensação de visitá-lo em época de neve no rigoroso inverno centro-europeu! Deve ser ainda mais dramática a cena! 
                  

               Localizado em um recanto bem próximo ao centro medieval de Lucerna, este pequeno parque é em primeira instância uma bela amostra de paisagismo e de como se pode transformar uma área danificada pela extração mineral em um ambiente atraente; em segundo, uma amostra de como uma única e bela obra de arte pode assumir um papel tão excepcional a ponto de se tornar um marco da cidade e um ícone do país.



Um comentário:

  1. Amigo, compactuo com você admirar tamanha beleza. Agradeço por compartilhar este prazer nesta simples tela de computador. Acho quer faço parte do grupo dos menos afortunados, sem capital. Quimera eu poder dormir aos pés deste felino. Jean Carlos - Engº Agrônomo *** Mossoró RN Brasil

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