segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Grande Mesquita Sheikh Zayed em Abu Dhabi.


            Concebida com a filosofia de união entre arte, cultura e religiosidade do mundo árabe em um mesmo espaço simbólico, essa mesquita é mais que um templo: é o símbolo da nova e moderna sociedade dos Emirados Árabes Unidos. Funciona como um Panteão Nacional onde, inclusive, está enterrado o monarca que a criou e que lhe dá o nome.

            Imensa, ocupa o oitavo lugar entre as maiores mesquitas do planeta e fica implantada ao centro de um terreno de cerca de doze hectares. Rodeada por jardins, fica elevada a dez metros do nível da rua em uma plataforma que a coloca suavemente sobre o sítio urbano (ainda novo) que a cerca. Seu entorno na verdade não possui muitos edifícios altos e a rede de vias terrestres é bastante grande, o que lhe dá muitas perspectivas abertas e permite sua observação de pontos bastante distantes da cidade.



Por fora a mesquita é deslumbrante...


          Sua arquitetura sofre influência de mesquitas do Marrocos, Paquistão, Arábia Saudita e do Taj Mahal na Índia, sendo considerada como exemplo da fusão de diversos tipos de arquitetura mourisca. Seus arcos são claramente mouros e seus quatro minaretes exemplos perfeitos da arquitetura árabe. 


Acima o grande arco de entrada, ladeado por dois portais menores.
Desenho muito simétrico.


           Nas fotos acima à direita e abaixo à esquerda aparecem o grande portal de entrada (volume com três arcos e uma cúpula em destaque). Na verdade é um maciço espelhado do volume central onde estão as portas principais da mesquita. Alinhados frente à frente aumentam em muito a sensação de simetria do edifício.

O enorme conjunto de colunas e a arcada que une os dois volumes principais (a mesquita e seu portal) emolduram o esplêndido trabalho do piso.



As grandes cúpulas foram executadas a partir de peças pré moldadas de concreto armado e as menores foram feitas de fibra-de-vidro no próprio canteiro de obras.
 Todas receberam o mesmo acabamento externo em pedra.


            A área que é ocupada pelo edifício e seus jardins mede aproximadamente 420m de comprimento por 290m de largura e o prédio, como nos projetos clássicos dessa natureza, tem um quadrado pátio interno rodeado por colunatas que sustentam uma série enorme de arcadas. Nesse pátio é encontrado um dos mais belos pisos de mármore feitos pela mão humana, exibindo um desenho de lindas flores de mármores coloridos espalhadas em um campo de mármore incrivelmente branco. Em seus quatro cantos erguem-se os quatro grandes minaretes de 107 metros de altura. Seu maior e central domo, ergue-se a oitenta e cinco metros de altura, medidos por fora (atinge setenta metros de altura no interior) e suas demais cúpulas respondem pelo número de oitenta e dois, cujos tamanhos variam em sete diferentes medidas.





           Os desenhos, encrustados no mármore das paredes e colunas, receberam óbvia inspiração do Taj Mahal e  tal como lá, foram feitos com pedras semi-preciosas. Belos arranjos florais foram inseridos nos recortes e sulcos artesanalmente feitos no mármore, preenchidos com lápis-lazúle, ametista, ônix vermelho, madre-pérola e abalone.






          A qualidade dos materiais e o primor da execução causam espanto e admiração. Mais de cem mil metros quadrados de mármore branco foram trazidos da Macedônia para recobrir o exterior do piso à cúpula! Valeu a pena. De tão branco e polido esse mármore por vezes ofusca o observador, tanto que a mesquita é mais procurada pelos turistas ao entardecer. Já nos espaços internos os mármores tem origem italiana e nepalesa.


          Depois de cruzar o lindíssimo pátio interno, chega-se à esse ambiente que funciona como uma ante-câmara de entrada: uma espécie de alpendre. Nele está a imensa porta de entrada que dá acesso ao salão principal da mesquita. Esse espaço de transição entre os ambientes aberto e fechado é tratado com o mesmo capricho do ambiente externo e tem em seu piso o mesmo trabalho de incrustação no mármore branco. O desenho floral domina o piso e sobe virtuosamente pelas paredes. 


Nesse ambiente o tratamento das pedras no plano vertical é diferente: o desenho ganha volume em peças  muito bem esculpidas.




Requinte máximo: o pano de fundo branco das paredes quase não apresenta emendas!


Quer um adjetivo? Perfeito!
Quer outro? Belíssimo...


O trabalho do piso é fascinante. Tanto o desenho, como a técnica são extraordinários.


          O desenho floral na cultura persa (encontrado nesse trabalho de piso) vem de séculos. Difundidos principalmente em seus belos e irretocáveis tapetes. Composições florais e muitas vezes figuras de animais, funcionavam como uma alusão ao Paraíso. O que difere um pouco nesse caso, e justo por isso significa modernidade, é o campo muito branco que serve de fundo para o desenho. Nos tradicionais tapetes (inclusive o da própria mesquita), o fundo é mais equilibrado e funde-se com a figura. O contraste tão marcante não existe. Essa diferença é bastante sentida e faz uma bela fusão entre o moderno e o tradicional antigo.



            Abaixo o ponto principal de toda a mesquita onde está localizado o Quibla (o nicho totalmente revestido com ouro). Este nicho é o centro da mesquita e o ponto principal de oração, com a carga simbólica e o peso da tradição de estar voltado em direção à Meca.


                      Desenhos muito complexos forram todas as superfícies da parede na qual está o Quibla. Com forte simetria, apesar de exibir uma complexa e rebuscada composição, a parede ricamente decorada se encaixa no padrão tradicional do desenho na arte islâmica. É um belo exemplo do desenho clássico: rico e exuberante com seus ritmo, simetria e repetição, sempre com a ausência de imagens, retratos e paisagens como exige a tradição dos espaços de cunho religioso. Essa sofisticada ornamentação, bem típica da arte do Islã encanta pela harmonia. A caligrafia também aparece decorando alguns espaços.


            Nas duas fotos anteriores, escritas as noventa formas do nome de Allah dentro de relevos com formato de folhas de videira. 

Acima o belíssimo e imenso tapetão persa.
Mas, nem tudo é tão lindo assim...
Abaixo o também imenso, mas horrível e cafoníssimo lustre de cristais.


               O lustre não é feio somente no formato. É feio também nas cores e acabamentos. Lastimável! Não consigo me conformar! Ele não combina! Isso porque o teto é sublime e as paredes idem! Tudo no interior da mesquita parece combinar perfeitamente, desde seu tapete em tons de verde e bege com florais típicos dos desenhos persas em multicoloridas linhas, somado às extraordinárias marchetarias em pedra e madeira, abaixo de um intrincado desenho de teto, em contraste com as paredes do mais límpido mármore esculpido em baixos e altos relevos formando um dos mais ricos e impressionantes interiores do Oriente Médio, até seus vidros lapidados e coloridos que recheiam douradas esquadrias. Definitivamente não há lugar para esse trambolho!

               Se antes falei que grande parte da beleza dessa forma de expressão artística está na harmonia de suas linhas e composições, posso afirmar que grande parte da falta de beleza desse lustre está, certamente, na falta de harmonia em sua relação com o interior da mesquita. Se foi feito especialmente para essa obra, algo saiu errado: ele pertence à outro espaço.


          Produzido na Alemanha com dez metros de diâmetro por quinze metros de altura e totalmente coberto pelos duvidosos cristais austríacos da espalhafatosa Swarovski, este lustre, somado a mais sete, fazem a festa dos milhares de turistas que passeiam pelo interior dessa mesquita (só esse fato justifica sua incômoda presença). Para mim foi inacreditável e único! Mas não pelos motivos que o Sheikh tinha em mente! Justamente pelo oposto: odiei! 


Parece um adereço carnavalesco! Lembra um carro alegórico da Sapucaí!

Suas bolinhas coloridas são de amargar!!!!



Quase uma imagem profana! Me lembra um sutiã de dançarina do ventre!
Desconforme! 


          Não tive a oportunidade de ver em toda a minha vida nada, mas nada mesmo (nem nos maiores devaneios de Las Vegas) mais brega e fora de contexto do que este lustre! Cafona é a palavra que não sai da mente um minuto sequer enquanto se está próximo ao infeliz objeto! E a pergunta que não quer calar: Por quê? Em uma obra prima da moderna arquitetura religiosa com linhas tradicionais (caso raro na modernidade), com detalhes que somente com muito dinheiro e bom gosto a cultura universal pode produzir, alguém tem a coragem de pendurar algo tão feio. E o pior é que não para por aí. Penduraram não um, mas três lustres irmãos! TRÊS! Um só já seria suficiente para acabar com toda a decoração interna, mas existem 3 alinhados nos vãos do corpo principal da mesquita. 


            Foco no decorado teto de um dos salões laterais. O lustre, mesmo menor, apresenta o peculiar alto grau de detalhamento e mesmo mau gosto do lustre principal. Infelizmente essa luminária menor também contrasta com a beleza de todo o resto!


Este lustre, bem como todos os outros, poderia ser  completamente branco (ou incolor): melhoraria 50%.

         Mas, esquecendo um pouco o terrível adereço de iluminação, é possível perceber a beleza do teto, principalmente no detalhe da sobreposição de formas inseridas na cúpula, onde três pentágonos se elevam, rotacionando seu eixo e diminuindo sua escala, dando profundidade e perspectiva com agradável ritmo. Os olhos vão aos poucos formando as inúmeras imagens caleidoscópicas que surgem e se formam na mente do feliz observador. É o mais perto da perfeição em arte! A arquitetura não pode ser mais rica e arte da decoração mais virtuosa.
               Ainda comentando sobre a foto anterior, outro detalhe digno de nota é o desenho em filigrana com dois ou mais planos de fundo, formando ricas rendas que emolduram o grande círculo central e os espaços entre o redondo e as cinco faces das formas esquadrejadas. Com pouca coloração, parecem que pairam suavemente acima do ambiente de teto muito alto e claridade abundante.

               Uma das coisas que mais me agradou e que também foi feito com o máximo de requinte e perícia, foi o desenho floral das impressionantes colunas internas. Se fossem lisas já seriam belas o bastante. Mas, além de serem enorme e executadas no mais branco dos mármores, elas possuem um fino trabalho de incrustação em madrepérola e abalone com desenho também de temática floral.  


Posicionadas em conjunto de quatro, sustentam as estruturas que suportam o teto do corpo principal do edifício e suas principais cúpulas.



               Os cordões torcidos, os desenhos entrelaçados, os elementos vegetais e as formas que lembram arcos, tudo ao gosto da estética do Oriente-Médio. 


          Muito típica do estilo de ornamentação árabe, a grega que decora a base da coluna (na foto acima) mostra um desenho em volutas de onde brota uma folha voltada para cima. Na verdade essas folhas fazem parte da voluta, incorporadas ao todo e formando um intrincado desenho de fundo e figura. Imediatamente abaixo um outro padrão: desta vez bem geométrico, também muito presente na decoração desse mesmo estilo e completamente diferente do colocado na faixa de cima, agora com clara inspiração na era clássica romana, mantendo a voluta contínua, porém, marcando visualmente cada volta. A composição de um ou mais desenhos formando grafismos e ricos conjuntos visuais é muito comum no mundo árabe.   


Na foto acima um detalhe totalmente dispensável! A flor iluminada, que brota no chão bem no centro das quatro colunas de mármore, só não é mais cafona que o grande lustre! Mas chega perto! É preciso saber quando e onde parar...


            Portal em arco mourisco (note que faz um sutil biquinho - se fosse totalmente arredondado seria um arco ferradura), com fechamento em vitral parcialmente colorido e esquadria dourada. Detalhe aos panos trabalhados com diversas estrelas de vidro lapidado coladas sobre o puro e translúcido viro incolor. 


Não gosto do desenho das portas: muito pesado! Mas o tamanho compensa e a escala dilui o efeito negativo. 
O tom dourado das esquadrias também não me agrada. Por vezes lembra material plástico.


Esse trabalho no vidro também é de gosto duvidoso mas, não compromete o todo.
Tem momentos onde se deveria dar espaço ao simples...

A seguir um belo trabalho nas paredes em sutis tons pastéis.
Aqui o estilo árabe é claro: grandiosidade!


Nas paredes alguns pontos de luz.

Estrelas viram flores e flores viram estrelas...


            Nessa foto anterior um pouco de tudo. O teto com desenho floral branco em fundo amarelo tem um apelo bem persa, enquanto o desenho vegetal que circula o grande capitel das quatro colunas de mármore parece ter seu desenho inspirado na cultura egípcia. As colunas com orgânicos desenhos em mosaico lembram o edifício fúnebre dos indianos e as paredes com desenhos geometrizados (de forte simetria) encontra eco na arte do islã. Um pouco de modernidade na tecnologia empregada (iluminação indireta) e um pouco de tradição no conjunto de arcos ogivais bem típicos das civilizações do deserto (iluminação natural). 


Marchetaria nas portas: rádica e madrepérola. Nada é simples nem prosaico...
Por todos os lados são muitos os detalhes...


Pormenores do tapete persa considerado o maior do globo com mais de cinco mil metros quadrados de área.



Abaixo uma bela perspectiva dos arcos e colunas que contornam o pátio.



Muito branco...


A "floresta" de pilares em um dos dois braços laterais que fecham o pátio central.


Lindos arcos mouriscos. Até o dourado dos capitéis em folhas ficou bonito...

            Os capitéis na verdade não são lá essas coisas de beleza... Já vi mais bonitos... Mas o gigantismo do espaço acabou sendo favorável e a composição resultou interessante. Os inúmeros pontos dourados criam uma linha imaginária que separa a área da coluna da área dos arcos, aumentando a sensação de altura e estabelecendo um parâmetro para o entendimento da escala. Na fachada dão um toque especial ao grande volume branco.  

        Talvez agora a influência egípcia seja mais evidente. Capitéis com tema vegetal, geralmente com inspiração na flor de Lótus, são muito presentes na arquitetura do Cairo e outras cidades imperiais do Vale do Nilo. Presentes nas grandes colunas de diversos templos e prédios religiosos, tais folhas eram esculpidas com mais leveza e em menor número; na maioria das vezes orientadas para cima. Aqui, parecendo mais um cacho de bananas (risos), elas são agrupadas em número bastante grande, (várias centenas de pares) e voltadas para baixo. Resultado: em conjunto agradam, mas isoladamente parecem ter um volume redondo demais e coloração dourada demais! 


          Em ambas as fachadas laterais, pelo lado de fora, um jogo de rasos espelhos d'água cria uma agradável moldura ao volume do prédio e orienta o acesso dos pedestres aos portais de entrada, impedindo a circulação por entre a longa colunata. Essa lâmina, de um maravilhoso azul, contrasta com o puríssimo branco das paredes e humaniza o espaço, além de delimitar a área do pátio interno. É também uma bela maneira de marcar a transição entre o edifício e seu imenso jardim. 

          O maravilhoso tom de azul da cerâmica escolhida para forrar o fundo dessas piscinas trás para baixo o azul do sempre límpido céu árabe. É uma maneira simbólica de unir o céu e a terra e emoldurar por completo o prédio. Gosto bastante dessa interpretação filosófica que enriquece a arquitetura e sobretudo dá mais sabor à vida e recheia as conversas com assuntos diversos. Todas as características de uma obra faraônica como essa acabam por ter um lado metafórico, muitas vezes pensado antes de conceber o partido final, mas outras tantas resultantes de uma interpretação posterior ao término da construção. Não importa se essas concepções de cunho cultural são pensadas pelos projetistas ou interpretadas pelas pessoas. O que importa é ter uma arquitetura que dialogue com seus usuários e que seja rica de conceitos representativos dos costumes, do uso e da cultura local.  

          Abaixo, no desenho da mesma elevação, aparecem os dois portais em destaque. A colunata marca a área do pátio central (bem como os dois minaretes) e suporta sete das treze cúpulas menores (de cada lado).

          O prédio é indubitavelmente uma obra babilônica! É um exercício do exibicionismo e da busca pelo domínio político, econômico e cultural da península árabe, travado entre as diversas cidades emergentes da região. Bem por isso nada é pequeno e tudo é plural. Assim sendo, essa mesquita é repleta de colunas, arcos e cúpulas projetadas para impressionar! E impressiona mesmo!

             O que mais pode-se dizer além do óbvio? É em síntese um exemplo do poderio e da atual vasta riqueza que desfruta o povo de Abu Dhabi.



                A grande cúpula domina o skyline e o prédio domina a região. Nada melhor em uma cultura baseada na fé que uma obra dessa monta para elevar a importância da cidade e do país. É a arquitetura pensada de forma política! Antes deles vários dirigentes fizeram o mesmo: Hitler na Alemanha, Vargas no Brasil, Haussmann na França, Pombal em Portugal, etc...

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