quinta-feira, 19 de março de 2015

DUBAI


Assim começa Dubai...
...com sua arquitetura vernacular!


Eu na zona central. No Creek que separa os dois bairros mais antigos.

        Você vai adorar! Era o que me falavam todos que já tinham ido à Dubai, quando sabiam da minha vontade de conhecer a "bola da vez". Não havia exceção e a empolgação era sempre a mesma. Muito rica, muito grande, muito interessante, muito limpa e organizada. Os superlativos sempre elogiosos se multiplicavam e elevavam a minha expectativa ao máximo. Pois bem! É pra lá que vou!

       Decidido, parti em busca do que poderia haver de melhor e mais interessante em termos de arquitetura e urbanismo, sempre tendo em mente o já célebre Burj Al Arab e mais alguns edifícios amplamente conhecidos mundo afora.


O Burj Al Arab é mesmo lindíssimo!

          Uma curiosidade que faz a festa dos guias de turismo e dos arquitetos em geral é a provocativa forma que surgiu no vértice voltado ao mar, desse que era para ser o símbolo maior dos Emirados Árabes Unidos. Visto da água, o prédio mais famosos do país, que tem com religião oficial o islamismo, forma a maior cruz latina do oriente médio. Não se sabe até hoje se o símbolo cristão foi projetado de propósito ou se foi mera coincidência. O fato é que quando foi notado já era tarde demais para modificar o projeto, ainda que dinheiro não faltasse. Creio que para os locais isso pouco importa...


          Fiquei por lá cerca de uma semana e pude constatar que quase tudo o que haviam me dito realmente fazia sentido. Era mesmo muito desenvolvida, segura, ordenada, limpa e bem mantida. Tudo era distante e a dependência do carro uma constante. Largas avenidas e implantações novíssimas esquadrejavam o deserto à beira-mar dando espaço para o surgimento de bairros comerciais, residenciais e alguns empresariais. Filiais de grandes e famosas firmas, hotéis de renome internacional, extensões de respeitados hospitais e empreendimentos binacionais pontuavam em todas as direções. O traçado urbano se mostrou muito eficiente ainda que pouco bonito e nada verde. Paisagismo parece que não existe naquela cidade. Pelo menos até agora.


          Já quanto ao patrimônio edificado alternei sem parar críticas negativas com críticas positivas. O saldo felizmente foi positivo, mas, tive que passar um tempo maior que o gasto habitualmente pelos visitantes para poder afirmar que gostei da cidade. Os dois primeiros dias serviram para desintoxicar a mente de todos aqueles exagerados elogios feitos para mim a respeito da "maravilhosa" arquitetura exibida por todos os lados. Maravilhosa sim, mas em poucos e determinados lugares. De restante nada de tão especial assim e em alguns casos inversamente proporcional ao senso comum. Não faltaram as colossais e pitorescas torres de vidro, tão comuns nas grandes cidades, nem as sofríveis cópias de edifícios famosos como o norte-americano Chrysler Building (ao todo três) ou a britânica Elizabeth Tower do Parlamento Inglês com seu famoso relógio (torre do Big Bem). Torres cafoníssimas surgiam em maior número nas margens das enormes avenidas escondendo por vezes outras mais interessantes e detentoras de verdadeiro valor arquitetônico.

          Infelizmente o ímpeto de criar algo inusitado e único acabou por erguer coisas de gosto bastante duvidoso. As próprias torres de vidro, com os mais variados formatos e tão diferentes entre si, produzem um conjunto disforme, repleto de planos e ângulos, gomos e plissados, reentrâncias e saliências, côncavos e convexos, cheios e vazios: de tão performáticas caem na mesmice. Nesse contexto, o que realmente chama a atenção, são a conceitual simplicidade e a pureza das formas de alguns poucos e notáveis prédios.
          Então, para um arquiteto, são esses poucos e maravilhosos prédios que fazem valer a viagem e justificam a fama da cidade-estado como detentora de uma bela e excêntrica arquitetura.

          
          Tive sorte na escolha do local em que fiquei hospedado: Marina de Dubai (foto anterior). Festejada como a maior marina artificial do momento, está quase que totalmente tomada pelos empreendimentos projetados, ainda que pouco desenvolvida comercialmente. Localizada ao sul da cidade e a beira mar, fica um pouco distante do centro empresarial e da Dubai antiga. Lindíssima e enorme. Feita paralela à linha costeira é cercada de todos os lados por edifícios altíssimos e novinhos em folha. Nem todos bonitos como deveriam, mas certamente todos muito modernos e confortáveis. Suas margens assumem um desenho ondulado que serpenteia por todo o perímetro e cria recantos protegidos do sol pela sombra das altas torres que avançam sobre a água. Esse desenho orgânico dá movimento e dinamismo ao bairro, favorito daqueles mais antenados e sofisticados que fazem suas corridas e pegam praia durante o dia e voltam para curtir os famosos bares e restaurantes a noite. 


Duas fotos da região da marina tiradas da internet


Abaixo algumas imagens da Marina com seus modernos edifícios.
          







          A moda nas fachadas dos últimos prédios é adotar as cores quentes que variam do bege ao amarelo forte, de apelo mais natural e iluminado, e assim, mais de acordo com a arquitetura incidental do passado. Essa nova tendência de trabalhar os exteriores dos edifícios tem como resultado positivo o fato de ser mais adequada ao clima, pois absorve melhor o impacto da farta luz solar e ao mesmo tempo protege seus interiores. Essa corrente estilística além de mais eficaz quanto à higiene e equilíbrio térmico das habitações exibe maior personalidade. Outra vantagem de caráter arquitetônico é que torna visível alguns detalhes estruturais muito interessantes e também deixa mais área de alvenaria exposta, que muitas vezes é trabalhada com texturas ou volumes. Esses recursos arquitetônicos são muitas vezes enriquecidos com gradis, balaustradas, caixilhos decorados e elementos vazados que contribuem na busca por um estilo próprio que identifique-se com as manifestações culturais do Emirado, bem diferente do que acontece quando se levanta mais uma torre envidraçada. Esses tons terrosos funcionam muito melhor (ainda que não seja garantia de uma bela fachada) que o azul vítreo dos revestimentos externos mais frequentes na primeira década dos anos 2000.


          Mesmo que exista por parte de alguns arquitetos a busca por referências locais, o padrão que domina é mesmo o das grandes torres de linhas contemporâneas. Como o país é muito pobre em registros arquitetônicos e não tem nenhum estilo que o diferencie do restante do mundo árabe, o campo para criar fica bastante aberto e o leque de opções acaba sendo muito grande. É certo que criar algo novo fazendo uso das mais avançadas tecnologias disponíveis é muito mais fácil que reinterpretar o estilo local. Para as altas construções parece mesmo um pouco desajeitado fazer uso de um estilo rebuscado como o árabe, mais adequado á edificações cuja escala humana seja mais ajustada. Bem por isso as altíssimas torres não se prendem à estes maneirismos. Já aquelas outras, cujo partido mais horizontalizado não ultrapassa os oito andares, todo e qualquer rendilhado é bem vindo. Nesses, portanto, encontramos trabalhos muito bonitos.


Um ângulo do calçadão comercial paralelo à praia com torres hoteleiras ao fundo.
É nesse calçadão que estão alinhados os bares e restaurantes mais badalados do bairro.


         A seguir, eu, na praia do lado de fora da Marina com vista para o seu maior aglomerado de edifícios ao fundo. É nesse ponto, ao norte do braço artificial de água, junto a uma das saídas ao mar, que estão as estruturas mais altas. Nessa parte também é onde fica a maior concentração de prédios com os exemplares mais interessantes e bonitos. A praia é bastante longa e possui, como quase todas as praias da cidade, uma larga faixa de areia fina e branca. Na ponta oposta, ao sul, existe um novíssimo complexo comercial repleto de bons restaurantes e boutiques de luxo. Antes de chegar nesse ponto a praia é dominada por clubes, hotéis e paradores privados que a separam e escondem das vias públicas. Tudo feito com muito requinte e bom gosto. 


          Dubai na verdade não é uma cidade nova, existem registros de sua existência datados de 1799 e depoimentos de geógrafos e mercadores desde o século XI. Estudos e escavações comprovam a ocupação humana desde a antiguidade. Mas esse colosso moderno é recente. Fruto dos petrodólares e da ambição visionária dos seus monarcas, Dubai expandiu seus limites e ganhou altura. Desde os anos setenta vem crescendo em um ritmo acelerado que ganhou força e vitalidade na virada do século XXI. Estabeleceu, então, um padrão que passou a ser copiado pelos países vizinhos.
               
            A parte antiga de Dubai não pode ser considerada bonita nem arquitetonicamente interessante, pois dominam aquelas horrendas construções dos anos setenta que muito provavelmente suplantaram a arquitetura espontânea do início do século vinte e o pouco que havia de histórico dos séculos anteriores. O que se mantém de mais antigo, são poucos conjuntos de moradia da classe dominante (casas de emires e seus familiares), algumas escolas, uma fortificação e uma ou outra parte reconstruída em meio ao caótico urbanismo da área central que foram transformados em museus ou casas de cultura.
          Bem no coração desse pobre conjunto arquitetônico existem os bazares. Interessantes estruturas que cobrem ruas de comércio. Alguns bem trabalhados com estruturas elaboradas de madeira e outros nem tanto. Nesses lugares não é a pobre arquitetura que interessa, mas sim a riquíssima relação humana com todas as suas variantes. O frenesi existente é delicioso e empolgante. De todos os lugares o meu favorito! Vivenciar o cotidiano, longe dos esteriótipos turísticos (mesmo que seja um lugar onde o turismo é muito forte) e provar do dia-a-dia dos comerciantes e das pessoas mais simples, reconduz o visitante à sua verdadeira escala e condição. Diferente dos outros lugares a Dubai ao longo do Creek (braço de água que faz um tipo de estuário e divide a área central em duas) é feita mais para se andar a pé do que de carro. Fantástico.




A arquitetura dos meados do século vinte não trouxe muito valor ao centro urbano, excetuando os edifícios de caráter religioso.


          Acima alguns minaretes relativamente novos muito típicos da arquitetura do islã e abaixo a mais antiga estrutura erguida em Dubai ainda preservada: o Forte Al Fahidi datado de 1799.


        

         A arquitetura das casas dos mais abastados era feita com pedras, gesso e areia enquanto as populações mais pobres viviam em cabanas de madeira e folhas. O número de andares raramente ultrapassava os dois e todas as casas eram levantadas muito próximas umas das outras criando estreitas ruas que, sombreadas pelas paredes, criavam um clima mais ameno, refrescado pelo ar canalizado e fresco. 


          Paupérrimas em elementos decorativos as casas dos mais ricos tiravam partido dos materiais utilizados em sua construção onde a solidez era o maior indício de status. Não raro as enormes portas de entrada, que eram executadas inteiramente de madeira, montadas por diversas peças ou até mesmo esculpidas de um bloco só, acabavam por ser o mais importante adereço da edificação. Em alguns casos as paredes ganhavam  pequenos desenhos, geralmente próximas ou no lugar de suas janelas, que podiam exibir em relevos, vazados ou mesmo em pinturas bicolores formas geométricas ou florais. Ainda que muito bonitos esses desenhos apareciam de forma tímida e rara.


A cor areia das paredes revela a matéria prima utilizada na construção, muito pobre em acabamentos e tecnologia. Deve-se entender que estas estruturas não são muito antigas.


          Nessa sequência de fotografias é mostrada a casa do ex governante Saeed Al Maktoum. Localizada em uma das margens do Dubai Creek, foi erguida nos finais da última década dos anos de 1800, nas portas do século vinte, para servir de moradia à sua família em tempos em que a exploração de pérolas prosperava e fazia da cidade um dos principais portos do Golfo.  


          Em um misto de religião, costumes, tecnologia e clima as casas eram concebidas para garantir a maior privacidade possível. A total discrição e preservação da intimidade familiar fazia com que as estruturas fossem as mais fechadas possível ao exterior (rua) e abertas para um vão central para o qual eram voltados todos os ambientes de convívio e alguns compartimentos de serviços componentes da casa.


          As torres de vento devem ser as estruturas mais simbólicas da cidade. Não havia casa sem a presença de pelo menos uma dessas torres. Incrivelmente bem adaptadas ao clima, funcionavam de maneira exemplar captando os ventos de todas as direções. De planta quadrada com alturas e larguras que podiam variar de acordo com o tamanho do ambiente interno a que iriam refrescar, sempre divididas em quatro seções a partir de uma parede em X, embelezavam as casas ao criarem volumes muito destacados. 













          No coração do bairro de Deira essa peculiar fachada que não está nem lá nem cá (risos), salta aos olhos do pedestre em meio à uma quase totalidade de fachadas insípidas e pobres. Muito interessante e bastante peculiar, a despeito do mau gosto e da quase inocência de sua concepção, exibe um conjunto de janelas que mais parece um catálogo de produtos. O que poderia ser para os mais puristas um exagero, provocado pela óbvia falta de um conhecimento mais técnico ou mesmo mais especializado, se revela divertido e autêntico. É na verdade uma fachada diferente e sim, divertida, que demonstra a preocupação de manter viva certas tradições estilísticas.  



          Cada andar exibe um detalhe diferente no coroamento da janela e em algumas pilastras. A influência oriental é clara, contudo as peças decorativas pré-moldadas são muito pesadas e resultam muito abrutalhadas. Ainda bem que a cor escolhida é bastante suave e permite que as sombras  dinamizem seu ar engessado pela forte simetria e ritmo.

            

segunda-feira, 16 de março de 2015

Burj Doha e Torre Agbar

DOHA TOWER    ou    BURJ DOHA


Arquiteto: Jean Nouvel.
Local: Al Corniche Street, Doha, Catar.
Uso: escritórios comerciais.
Estilo arquitetônico: Tecnológico.
Filosofia: Arquitetura sustentável (verde)
Ano: 2012

          Atualmente o mais famoso edifício da moderna Doha e representante do estilo High Tech, esse monolítico prédio é ainda o que mais chama a atenção no skyline da cidade. De longe nada pode ser mais simples que suas linhas, mas o impacto que causa é tão grande que parece não ter concorrente. 
          Projetado pelo aclamado arquiteto francês Jean Nouvel, ajuda a reescrever a história do Emirado do Quatar, que investe maciçamente na reconfiguração de sua Capital com vistas a torná-la uma das grandes cidades do século XXI. Para isso, os emires não poupam esforços nem dinheiro. A cidade parece um canteiro de obras e a cada esquina novas maravilhas dos mais variados estilos ganham corpo em tempo recorde.


          Inaugurado em 2012 com um custo final que superou a cifra dos cem milhões de dólares, passou a figurar entre os edifícios mais interessantes do planeta, e como tal, recebeu inúmeros prêmios de arquitetura, como já era esperado! Idealizado para virar ícone e símbolo de poder, recebeu inúmeras críticas positivas mas, não conseguiu escapar da óbvia associação à genitália masculina. Há uma versão local, que gera ainda mais provocação e graça, de que a agulha que existe em seu topo fora colocada depois de entregue e inaugurado, para tentar quebrar essa relação. Apesar de não comprometer o projeto, confesso que em minha opinião essa peça deveria mesmo ser removida. Prefiro o prédio sem a interferência dessa ponteira metálica. Me lembra um Narval! E que mal há em se parecer com uma camisinha gigante?


          O Burj Doha alcança, descontada sua agulha, 231 (duzentos e trinta e um) metros de altura e  abriga 46 (quarenta e seis) pisos que unidos aos três do subsolo respondem por quase cento e dez mil metros quadrados de área.


          Ainda que seu formato seja inconfundível, é seu revestimento externo que realmente o difere dos demais edifícios da área e da cidade. Totalmente revestido por uma pele metálica rendada que cobre uma segunda pele de vidro, camufla todas as aberturas e cria uma espécie de carapaça parelha e uniforme. É muito interessante e bastante bonita.


          Esta parede externa totalmente perfurada se comporta como um quebra-sol e traduz em linhas mais modernas a linguagem local de telas vazadas. O desenho que resulta dessa trama de metal faz referência clara ao desenho e ao padrão estético tradicionais da cultura da região. É o que há de mais moderno e atual na arquitetura islâmica que traz a tona seus valores reeditando suas linhas. Nesse ponto é bárbara e faz acreditar que nada de melhor e mais adequado pode ser feito na arquitetura de ponta.

         Na foto anterior fica claro como a diferença existente na permeabilidade do brise cria um desenho que acaba dando uma fachada principal ao prédio redondo. Interessante recurso para introduzir hierarquia numa fachada completamente cilíndrica. Nela também é possível ver onde o prédio começa a inclinar suas paredes e diminuir a área de seus pisos.




          O brise não funciona de maneira uniforme e essa variação é bem notada em razão da densidade da grelha cujo tamanho das aberturas varia conforme os pontos cardeais.
        A grelha se fecha ou se abre de acordo com a orientação geográfica e sua incidência solar, havendo dessa forma uma variação na permeabilidade da parede.
           
          Como funciona: quatro peles metálicas se sobrepõem, sempre repetindo o mesmo padrão. A mais interna exibe um desenho estrelado que se repete nas três seguintes. Entre elas existe uma mudança na escala do desenho que fica mais e mais fechado rumo ao exterior, ou seja: quatro folhas de brise com o mesmo desenho em quatro escalas diferentes, fixadas a pouca distância umas das outras, onde a mais interna é mais leve e aberta, enquanto as duas intermediárias seguem o ritmo na mudança de escala e ficam em todos os sentidos a meio termo, acabando com a mais externa mais densa e fechada.
         A pele mais interna dá a volta completa no edifício, enquanto as outras o cobrem parcialmente. Nas áreas onde a incidência de sol é maior e inclemente as quatro folhas se unem para barrar seus efeitos, enquanto que nas áreas onde o sol age com menor força o número varia para três ou duas.
        Isso dá uma certa variação na fachada e cria áreas que acabam quebrando a monotonia do conjunto. Muito bonito. 


O maravilhoso efeito rendado obtido pelas sobreposições do brise soleil.
Já era fã desse recurso utilizado pelo arquiteto em seu projeto do parisiense Instituto do Mundo Árabe.


Muito interessante as camadas estreladas: da mais densa à mais leve, sempre formando estrelas de oito pontas.



          O partido adotado nessa fachada é muito apropriado para o local. Diferentemente da grande maioria dos arranha-céus que estão sendo levantados, tanto em Doha, como em todas as grandes cidades da península Arábica, o Burj Doha não peca em estilo e não se curva ao modismo das peles de vidro. Suas linhas são harmônicas e sua tecnologia avançadíssima. É o conceito de arquitetura mais bacana que se pode encontrar em toda a cidade. Os fatores climáticos são realmente levados em conta nesse projeto que se furta de erros como profusões de paredes brancas, milhões de aletas, agigantados planos horizontais, e enormes panos de vidro. 


          Todos os prédios ao seu redor sofrem com o calor infernal somado à umidade proveniente do mar. Por causa do sol, as torres de vidro provocam reflexos nem sempre desejados quando limpos! Sim! Quando limpos! Porque os ventos sempre abundantes levantam muita areia que acaba depositada em todas as fachadas. Quase todos os prédios de vidro ficam totalmente cobertos por uma camada de areia. Isso é muito feio e requer intensa e constante manutenção. A fachada do Burj parece imune à estes problemas: filtra a luz solar de maneira adequada, barra os ventos também de maneira adequada, protege seus vidros dos efeitos da umidade e da areia, facilita a limpeza da área externa, cria um efeito de pátina dourada que combina com as cores do deserto, brilha de maneira sutil e elegante e assume uma inquestionável cara de obra das mil e uma noites! E por falar em noite, é nessa hora que ele fica ainda mais legal! Jogos de luzes o tornam uma pira totalmente iluminada! Fica plenamente coberto de cor, que pode variar do mais luxuoso amarelo ao mais profundo dos azuis: de tirar o fôlego, como mostram as imagens abaixo colhidas na internet.




          Acima a plataforma que existe entre a parede de vedação em vidro e as estruturas metálicas do brise. Todos os andares são dotados desse corredor externo que permite manter o prédio sempre limpo. Note a luminária no chão. Aqui projetando luz amarela que pode ser trocada por qualquer outra cor. Essa fonte de luz apaga totalmente a estrutura do prédio e faz fundo para a grelha. Quando acesas as luzes frias internas, o prédio assume uma coloração branca e os pilares ficam retratados por baixo da renda metálica.



          Todas as entradas ao edifício ficam rebaixadas em relação à rua e protegidas do sol por uma cobertura de placas metálicas perfuradas que obedece a cota das vias públicas. Essa cobertura é totalmente horizontal e procura estender o plano da cota zero até os limites do prédio. O efeito obtido é bastante interessante e tem por objetivo fazer parecer que ele brota direto do chão. Outra função (desse rebaixamento dos acessos) que parece clara é a proteção aos ventos do Golfo que não encontram obstáculos naturais. Os taludes (acima dos três pisos subterrâneos), que revestem os muros de contenção, foram idealizados como paredes verdes, que suavizam visualmente e ajudam a criar um espaço com temperaturas mais amenas e umidade controlada. Boas soluções para um clima tão quente.


Na verdade a entrada é muito pobre e pouco trabalhada. Poderia ter sido mais caprichada...

        Tanto o diâmetro de sua base como da maior parte de seus pavimentos é de 45m (quarenta e cinco metros), já contada a grelha externa. Vencidos dois terços de sua altura, uma leve e gradativa diminuição da área dos seus pisos vai afinalando suavemente o edifício que termina em forma de cúpula. Essa cúpula não possui nenhum tipo de marcação que possa indicar onde ela tem seu início fundindo-a totalmente ao corpo. 



          No corte da direita, na figura anterior, pode-se notar a interessante estrutura. Seus enormes pilares em concreto armado formam uma grelha que infelizmente não é vista do lado de fora. Enquanto estrutura é muito sofisticada e bastante bela, mas para por aí. Na verdade, internamente, esse conjunto de pilares perde todo o efeito e se volta contra o próprio projeto. Enormes tornam-se obstáculos à paisagem e ferem a leveza do conjunto. A grelha já que não é vista do exterior some completamente. Os pisos muito próximos não permitem o entendimento da estrutura, que fracionada, se comporta de maneira diferente em cada andar. Uma pena! O metálico casco externo, que mais parece um exoesqueleto, não deveria ser a opção para a vedação de suas fachadas se a estrutura fosse a grande protagonista do projeto. Mas como não é, me parece adotar uma solução inadequada. Não tem cara de ser econômica (não que essa tenha sido uma das preocupações) e não é explorada como poderia.

       Alguns andares possuem alturas diferenciadas, como seu hall com mezanino em pé-direito duplo ou o grande vão quíntuplo do último pavimento abaixo da cúpula. Internamente os acabamentos acentuam a proposta "high tech" do projeto.



          Na fotografia da parte interna da cúpula é possível ver as quatro peles da parede que funciona como quebra-sol onde os desenhos estrelados se repetem inserindo uma estrela dentro da outra! Lindo mesmo! Digno de nota! Nessa cúpula os pilares de concreto armado não aparecem, restando apenas as estruturas metálicas.

          Em poucos locais e momentos as colunas cruzadas podem ser apreciadas. Como no acesso ao interior do grande hall de entrada da torre de escritórios ( e mesmo assim somente em metade de sua planta baixa) e no vão dos elevadores panorâmicos voltados para a grelha de concreto convexa. Mas já é o bastante... 



Na foto acima uma imagem de um dos oito elevadores panorâmicos voltados para a parede convexa.

        
          O reflexo das colunas no teto escuro (acima) ilustra como elas se comportam a medida que ganham altura. Esse jogo de colunas nos faz lembrar diretamente das colunas de Niemeyer e de alguns outros arquitetos do modernismo. Já nos andares-tipo (abaixo) a coisa fica mais complicada e as colunas perdem seus maravilhosos ritmo e força, ainda que em alguns pavimentos (não em todos), como no mostrado abaixo, elas assumam um belo formato de "V".  


          Adoro a farta profusão de luz natural com seus reflexos e sombras no piso, paredes e colunas! Só não sei se são adequadas para um ambiente de trabalho. 

          Como pode sugerir, o núcleo do edifício não é tomado pela coluna de circulação vertical, que assim como as instalações de apoio e compartimentos de serviços, é deslocada para o lado a fim de deixar livre um grande e único vão pra os escritórios e áreas de convívio.


A linda planta baixa deixa clara a excentricidade do eixo. Muito legal!
Fácil notar os oito elevadores voltados para trás da planta, frente à quatro colunas.

Abaixo outro corte que evidencia a brutalidade dos pilares de concreto armado.
Faltou aí um engenheiro civil ou um calculista brasileiro para dar uma proporção mais graciosa...


          Toda essa minha decepção, pelo fato da estrutura ficar escondida, é porque não são muitos os arranha-céus sustentados por pilares de concreto-armado cilíndricos (que acabam formando uma grelha) que existem por aí! É uma coisa linda que merecia ficar à mostra sempre! Apesar de serem muito grossos, são perfeitamente executados e muito bem acabados. Pelo fato de se cruzarem, de tempo em tempo e diversas vezes, obtendo uma forma clara de "X" deveriam ser devidamente expostos. Tal arrojo de engenharia merecia ser devidamente evidenciado. É uma pena que a maravilhosa pele metálica abafe a estrutura, vista plenamente em raríssimas vezes e somente durante a noite dependendo dos efeitos luminosos adotados. É como nos antigos palácios venezianos onde muitas vezes uma obra de arte cobre outra tão bela quanto!


TORRE AGBAR EM BARCELONA/ ESPANHA

Arquiteto: Jean Nouvel.
Local: Avenida Diagonal, Barcelona/ Espanha.
Uso: comercial.
Estilo arquitetônico: Arquitetura moderna e Tecnológica.
Filosofia: Arquitetura sustentável (verde)
Ano: 2004

           Outra versão do mesmo edifício, projetado pelo mesmo arquiteto, agora em um outro país, oito anos antes. Trata-se da Torre Agbar.         





          Pode parecer pura repetição de partido, mas não é. É natural, entretanto, que a primeira crítica esbarre no fato de serem volumetricamente idênticas e possuírem uma segunda pele retroiluminada, além do fato de brotarem diretamente do solo sem nenhum tratamento de hierarquia ou ruptura entre o público e o privado.

           Acontece que a variação na maneira de conceber a parede externa em conjunto com a interna, faz deles edifícios muito distintos entre si. A própria forma de iluminar o vão entre essas duas paredes evidencia tal diferença. Nouvel mostra toda a sua genialidade ao propor, então, duas torres parecidas com notável diferença nos padrões e referências culturais. É óbvia a relação direta estabelecida entre as obras e suas cidades. A torre de Doha é perfeita para uma cidade do oriente-médio, com sua "arenosa" renda metálica de diferentes aberturas e a Torre Catalã é muito "a cara" de Barcelona com suas cores vibrantes em seu colorido mosaico que lembram Gaudí. 

          Assim como em Doha, aqui em Barcelona o projeto ocupa todo o terreno disponível. A impressão que nos dá é que há mais de cem por cento de área edificada. Um exagero sem dúvida nenhuma, que passa a depender das áreas públicas ao seu redor para suprir a necessidade de afastamentos e respiros. As perspectivas são na verdade bastante abertas, mas, devido ao entorno que é muito generoso em seus vãos livres, frutos de seu urbanismo com circulações confortáveis e vegetação esparsa.


A parede cinza por fora com a colorida por dentro...


Pormenor da fachada durante o dia e durante a noite.


Iluminada por mais de quatro mil dispositivos que usam tecnologia LED


          Quem passa ao lado em determinado ponto fica tão próximo à estrutura que é capaz de ter essa visão maravilhosa! Um deleite para quem curte estruturas. O guarda-corpo metálico faz a moldura final para o conjunto e delimita a linha entre público e privado.



          A parede interna, salvo suas janelas, é inteiramente revestida com placas de alumínio corrugado e colorido. Essas placas é que dão a cor da torre quando iluminada a noite. Durante o dia, seu aspecto monocromático e acinzentado é proveniente das aletas de vidro fixadas na pele exterior. Essa carapaça metálica e vítrea funciona como um competente brise soleil e alterna vidros translúcidos com vidros jateados em uma disposição aleatória. 


Detalhes do fosso que separa a torre do campo à sua volta.
     


          Uma porção do edifício ganha o subsolo da praça que o rodeia; como fica fácil de ver na abertura menor com aletas no muro de contenção da área ajardinada. Esse detalhe de um fosso ao redor do volume cilíndrico é muito interessante e bastante pertinente ao imaginário europeu. Gosto dessa perspectiva de planos e gosto desse efeito que aproxima o prédio do pedestre. 


          Como não podia faltar em um projeto de Nouvel a tecnologia aplicada é realmente fantástica. A exemplo disso, as aletas metálicas que sustentam as placas retangulares de vidro, movem-se orientadas por sensores elétricos e computadorizados que medem a intensidade do calor e iluminação natural. Esses sensores de temperatura, posicionados no lado externo da torre, agem eficientemente para poupar a energia aplicada à refrigeração artificial dos ambientes internos. 


Ainda que muito tímida, a marquise de estrutura metálica e vedação em vidro, proporciona belo detalhe.




Tanto a torre como sua marquise de entrada passam a ideia de brotarem e emergirem do solo.



          Acima a fachada norte voltada para a grande Avenida Diagonal. Uma bela porta giratória liga o exterior ao interior. Sua marquise acompanha o desenho das fachadas e forma um crescente que brota do chão. Efeito muito interessante e bastante bonito que confere movimento e implementa certa noção de hierarquia. 


         Abaixo uma vista da Torre Agbar a partir das torres da Sagrada Família. O edifício se destaca tanto por seu formato vigoroso como por sua extraordinária altura: é atualmente a terceira maior estrutura da cidade e arredores e por isso encontrou grande oposição dos arquitetos e urbanistas mais tradicionais. A grande vantagem dela em relação à Doha Tower é que felizmente os espanhóis não fizeram troça do seu formato e por isso não correram o risco de somar à estrutura aquela horrorosa ponteira metálica! Sua desvantagem é o fato de ferir o entorno e ir de encontro às tradicionais leis do urbanismo implementadas pelo Plano Cerdà.


          Do subsolo até ao seu vigésimo sexto piso, o prédio é um perfeito cilindro de concreto e vidro. Depois disso sua estrutura passa a ser metálica e sofre uma deformação, afinando suavemente, que culmina em sua cúpula, assumindo o formato ogival e ultrapassando os cento e quarenta metros de altura.


          A torre vista a partir da nova e moderníssima cobertura da feira livre de Encants Vells. Essa nova cobertura (para a nova localização da mais antiga feira livre de Barcelona e um dos mais antigos mercados de pulgas europeus) teve tanta repercussão e polêmica quanto a Torre Agbar. na verdade fazem hoje um grande complexo moderno ao redor da Praça Das Glòries. A torre surge por detrás do volume quadradão do Museu Catalão do Design (outro edifício novinho em folha...) que compõe a nova área ao final da Avenida Diagonal, a  meio caminho do mar e da orla modernista reformada para as olimpíadas.

Abaixo algumas imagens colhidas na internet

Três cortes transversais do edifício

Abaixo três plantas baixas baixas dos pavimentos da torre.



Etapas da construção do cilindro de concreto
e da colocação de sua cúpula.



As paredes de concreto sem as plataformas dos andares.



Acima detalhe da cúpula metálica e 
abaixo detalhe da parede externa com vista para a cidade.


Por fim uma imagem de como a torre se destaca no skyline de Barcelona.