quarta-feira, 21 de maio de 2014

Catedral de Sal de Zipaquirá

               Localizado na cidade colombiana de Zipaquirá, pertencente à área Metropolitana da Capital, conhecida como Bogotá Maior, este monumento nacional foi criado nas profundidades de uma mina de sal que deu origem ao atual Parque do Sal. Surgindo primeiramente como uma tímida capela feita pelos próprios mineiros no início da década de cinqüenta do século XX, foi ampliada e ganhou notoriedade mundial. Depois de quarenta décadas de existência, suas três grandes naves foram fechadas por questões de segurança e posteriormente cheias de água. Na década de noventa um concurso público de arquitetura propôs uma nova catedral ainda maior e sessenta metros mais profunda que a original. Em 1995 foi inaugurada sua substituta tendo como vitorioso o projeto do arquiteto Roswell Garavito Pearl. 

                 A retirada de sal continua a todo o vapor nessa região, mas essa igreja fica hoje, em uma área livre da exploração mineral. Extremamente segura não sofre com os efeitos dessa atividade e não corre o risco de ter suas estruturas abaladas a exemplo da primeira Catedral.  
                
         O parque não é muito grande e também não tem muitos atrativos. Na entrada logo após ao estacionamento existe uma grande esplanada (Plaza Del Minero) rodeada por uma baixa arquibancada semicircular. Nos jardins circundantes são exibidas poucas estátuas e o paisagismo me pareceu um tanto pobre, mas que de forma alguma desvalorizou o local e sim deu mais ênfase ao conjunto subterrâneo. 




A medonha árvore para praticar escalada na Plaza Del Minero.

            Uma árvore de escalada na entrada e uma parte da antiga mina que funciona como museu na saída (Museu da Salmoura), complementam o complexo. Este museu ainda que pequeno e com pouco acervo é muito interessante. O visitante é monitorado o tempo todo por um funcionário que não poupa simpatia nem informações durante todo o percurso pelos antigos tanques de decantação. O que falta em objetos e material iconográfico sobra em originalidade e toda a deficiência gerada pelo parco conjunto é compensado pelas agradáveis explicações do funcionário, ancoradas nas didáticas mostras de suas documentação e pesquisa.   


              Na entrada um acentuado declive já encaminha a circulação diretamente para a porta da Catedral. Uma cruz latina marca de forma simples, porém eficiente a chegada ao templo. Fixada em uma laje muito alta parece menor do que realmente é e estabelece o ar austero e simples que prevalece em seu interior. Uma mensagem de que o ambiente é quase espartano, duro como a atividade da mineração. Muito legal entender esta postura na escolha das linhas estéticas do projeto que leva em conta as dificuldades dessa profissão espinhosa e sofrida. Nota-se em ambas as fotos (abaixo com zoom) que assim como no Brasil o equivocado reflorestamento com Eucalíptos também foi adotado na Colômbia!


                A abertura na montanha emoldurada por seu mais que simples pórtico é tudo que temos de uma fachada! (risos) É muito estranho entrar em uma Catedral dessa magnitude e não conseguir visualizar e entender seu real tamanho por não existir um corpo externo. Nada de edifício, torres, cúpulas, naves etc... Isso é óbvio, por se tratar de uma igreja dentro de uma mina, todos sabemos, mas não deixa, por isso, de ser estranho. Não há aquela chegada a um templo cuja imagem vai sendo absorvida a medida que dele se aproxima. Ao invés disso, entra-se em um túnel inóspito e ameaçador que nos leva ao interior da rocha para, bem distante do ambiente externo, deparar-se com uma obra tão fora do comum. 
               Algo parecido vivi na Espanha no Valle de Los Caídos (Abadia de Santa Cruz del Valle de los Caídos). Assim como aqui, lá, uma imponente catedral também foi escavada na rocha, entretanto, a grande praça que antecede sua entrada, circundada por um conjunto magnífico de edifícios, bem como seu gigantesco cruzeiro que atinge 150 metros de altura, antecedem e ilustram o estilo que se repete no interior. Mas mesmo assim , sabendo que dentro o gigantismo e a presunção do gosto militar de Franco são a tônica do projeto, a imagem da abadia não é clara o suficiente para o observador perceber sua escala. Desse modo, internamente, a mesma surpresa espera quem a visita. 


               Um pouco antes de chegar à entrada da mina, figura esse baixo relevo entalhado na pedra que disfarça uma passagem de nível e retrata mineiros em pleno trabalho. Senti mesmo a falta de mais obras de arte como esta. Pouquíssimos murais! Uma pena! Neste aqui, aparecem retratados dois homens da era moderna com um jogo de engrenagens em segundo plano, dando muita importância à extração de grande volume da mina que ainda hoje mantém áreas em plena atividade. O fato é que o sal já era conhecido e retirado por comunidades indígenas da cultura pré-colombiana da qual deriva inclusive o nome da cidade. Em nenhum momento pude ver obras de arte de real valor que contasse esta parte da história. Aqui, a mulher que aparece sentada e a criança que carrega uma pomba, pouco tem a dizer sobre a área e sobre a atividade econômica que move a região. Suas vestes apenas sugerem que possam ser da época ancestral. Quem é ela? E a criança? E a pomba? Nenhuma placa existia por perto para que estas dúvidas fossem sanadas. Entendi só metade do mural! Mas, já é alguma coisa! (risos) É claro que existe uma razão para que estejam ali e suponho que sejam a ponte entre o passado e o presente. Se este for o caso ficam então, bem representadas todas as épocas da mineração do sal-gema em uma composição artística bem simples, dividida em dois pólos: o da direita na foto, bem denotativo (por isso bem mais mais forte) com as figuras masculinas em uma relação laboral bem clara e o da esquerda, de cunho conotativo, que induz o raciocínio para uma relação familiar e social que mantém sua base econômica na mineração dessa riqueza. Vai que é isso...
                    Pena o estado de conservação deste mural. Ainda que inteiro, sem avarias significativas, não justifica a sujeira e as marcas do tempo; ainda mais por ser praticamente o único painel importante da área e com facílimo acesso! Uma regularidade na lavação com jatos de água pressurizados ia bem... ou ainda, uma escovinha de aço, caso fosse do interesse em manter algumas áreas mais escuras do que outras para tirar proveito do efeito de fundo e figura e dessa forma dar mais movimento ao quadro.  


               Na primeira etapa de ingresso à catedral, seus acessos se comportam tal qual a entrada de qualquer parte da mina, fortalecidos por estruturas de ferro colorido (pintadas com um vermelho sangue) e iluminadas com lâmpadas embutidas no solo que constantemente mudam de cor em um esquema aleatório. Durante todo esse percurso em que o visitante entra e caminha mina a baixo, vai passando pelos túneis com corte abobadado, acabamento rústico e cheios resíduos de sal teatralmente iluminados com cores vibrantes e intensas. Verdes, roxos, amarelos, azuis e vermelhos se alternam de forma cinematográfica enchendo o ambiente de cor e aumentando a expectativa pelo o que há por vir. Dois quartos do arco que correspondem às paredes, deixam a pedra e o sal aparentes e os dois quartos restantes, que fazem as vezes de teto, possuem troncos de madeira perfilados que impedem possíveis quedas de fragmentos. A mina é muito segura e o uso de capacetes não é obrigatório. 


Muito legal o efeito de luz sobre a superfície rugosa.


           O azul parece coral! Interessante pois toda essa área já foi um mar. Com os movimentos da calota terrestre surgiram os Andes e houve uma elevação dessa área. Com a pressão e o calor a água secou e a rocha acabou cobrindo e compactando a reserva de sal, encapsulada por fim, no altiplano colombiano.


                Vencida a primeira etapa da longa entrada onde o desnível é bastante sentido e onde as curvadas vigas de ferro sustentam parte dos tetos e paredes, chega-se ao início da sequência da Via Dolorosa que antecede a grande nave da Catedral. Nessa segunda parte de corredores o projeto arquitetônico já se faz presente: o corte típico de túnel é abandonado e as galerias passam e ter tetos e paredes mais planos. 

               Cada estação desta Via-Crúcis  está localizada na entrada de uma galeria perpendicular ao corredor principal, que também de forma aleatória não respeitam o lado direito ou esquerdo e não possuem as mesmas dimensões. Umas mais longas, outras mais curtas, variam também nas alturas de seus tetos, largura entre suas paredes e nas cotas de seus pisos. Respeitando assim as limitações impostas pela rocha e pelo sal escavados. Lindo, lindo, lindo. Na fotografia abaixo aparece uma das estações: rebaixada do corredor principal tem seu piso lisinho e brilhante tal qual sua cruz devidamente iluminada. O túnel que se perde ao fundo é inacessível e exemplifica como ficam as galerias da mina depois de abertas.


               A medida em que se avança pelas estações, a cruz vai surgindo e crescendo; a cada etapa ela aparece ainda maior e sempre acompanhada por outros elementos também executados em robustos blocos de sal que completam a mensagem e ilustram a cena. As cores aqui também variam de estação para estação, mas permanecem sempre as mesmas em cada parada do trajeto. A esse ponto as imagens ainda não figuram na composição, ficando restritas ao templo propriamente dito.

            Depois de percorrer toda a via sacra, chega-se a um cômodo que se abre em um mezanino descortinando a grande nave da Catedral a sua frente a aos seus pés. É de um impacto colossal! A gigante estrutura cavada na montanha vista de cima, tendo a igreja lá em baixo, recebendo para o culto os seus fiéis (sim, porque missas são celebradas ali!) com toda a sua magnitude e altivez, deixa qualquer um de queixo caído. Boquiaberto fica-se também com a gigante cruz ao fundo do altar vazando uma parede e sendo iluminada tanto pela frente como por trás. O símbolo maior do cristianismo, brilhando através de seu espaço vazio de um corte preciso e retilíneo, em contraste com as superfícies irregulares do ambiente, criando camadas de cores em seus cheios e vazios é de uma incomparável poesia.

      
Lindo os desenhos do teto. Lindas as rugosidades das paredes. Linda a perspectiva!


16 metros! Essa é a altura da cruz do altar-mor.


Diferentes ângulos com diferentes cores da altíssima cruz.


Agora, dentro da igreja, vários ambientes se conectam. Todos enormes! As esculturas e entalhes aparecem...


Acima e abaixo duas das diversas esculturas espalhadas por todo o interior. Comparativamente é fácil notar o importante efeito cromático conferido pelo jogo de luzes coloridas.



As imagens sacras são todas muito lindas e sempre monocromáticas exceto a santa abaixo.


               Ainda que pouco nítida, a fotografia acima mostra um pormenor da capela, com o nicho de arco pleno que guarda a imagem de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos mineiros, e santa já consagrada na primeira Catedral. O interessante é ver os vários buracos, como os tantos onde eram colocadas as bananas de dinamite, fazendo um fundo decorado para a estátua cristã. O paralelo nos faz pensar em coisas como: quem tem mais poder? A fé ou o explosivo? Ou ainda: a pureza e altivez da santa suplantando a força do homem! Interessante...

             Esta pequena e policromada imagem, sem muito valor artístico é a original trazida para a primeira igreja, portanto, com um valor sentimental e histórico maior que as demais. Gosto do contraponto que essa santa de gosto popularesco e duvidoso faz com o resto da igreja. Lembra de valores como a humildade e a simplicidade. 

            O leve e brilhante branco, pontuado pelo verde limão e pelo azul celeste das vestes, contra o pesado e acinzentado fundo, cria um ponto focal fortíssimo. Interessante também são os veios das paredes de sal que lembram desenhos de blocos de mármore, o que dá um ar bem austero e requintado aos ambientes, praticamente nus de elementos decorativos. Já que as paredes são na sua maioria em tons de cinza, as cores projetadas artificialmente sobre as superfícies tanto lisas como rugosas é que conferem a grande beleza da decoração interna.


Acima uma vista da capela.
Abaixo uma outra vista, agora do chão no meio da nave principal.



Em um bloco de mármore entalhado no chão da nave, uma reprodução da  Criação de Adão de Michelângelo. 
Muitos se confundem e pensam se tratar de uma pedra de sal.


             Em um dos espaços entre os diversos túneis uma cúpula talhada no teto e ricamente iluminada. Diferentemente de outras construções sacras, esta cúpula não cobre nenhum espaço de alta importância, como um altar ou um transepto, nem mesmo uma capela ou um abside. Esta em especial fica localizada em uma conexão de túneis ao final da via sacra em uma área exclusivamente de circulação que é comumente chamado pelos espanhóis de "área dos passos perdidos". Mas está lá! Presente na igreja como um elemento arquitetônico que não pode faltar em um edifício desta natureza. Sem entrar no mérito da necessidade ou obrigatoriedade de ter na composição interna do projeto uma ou mais cúpulas, penso que seu posicionamento desconectado de uma função ou hierarquia caiu muito bem: trouxe modernidade e quebra de paradigmas! Tudo é uma questão de interpretação...


A placa (back light) do café marca a profundidade máxima atingida pelos visitantes no interior do templo.


Além da inesperada e relativa alta umidade do ar...  um pouquinho de frio...


               A seguir uma foto de um reservatório de água aberto que espelha com perfeição o teto da mina. Além desse espelho d'água somam-se à grande Catedral uma galeria de artesanato, uma pequena cafeteria e um auditório. Neste auditório são ministradas pequenas palestras e é oferecida a projeção de um filme explicativo que conta a história da mina e a construção de suas duas igrejas. 


            Essa obra é considerada como a primeira maravilha da Colômbia e concorreu (sem êxito) representando o país na escolha das sete maravilhas modernas do mundo. A despeito de qualquer avaliação uma certeza existe: é uma maravilha da engenharia civil mundial!
                   

            O município de Zipaquirá dista cerca de 48 km de Bogotá no sentido norte. Com registros arqueológicos anteriores à era da invasão espanhola figura como uma das cidades mais antigas da Colômbia. Sua praça central é bem típica das cidades andinas e sua igreja principal também ostenta aquela enorme fachada que domina um lado inteiro do espaço aberto seco e quadradão. Os outros edifícios variam de estilo indo do colonial espanhol para o insípido modernismo, passando pelos neoclássico e ecletismo com influências ítalo-francesas. Tudo em tímidas linhas e pequenas doses sem nenhum tipo de alarde. A própria Catedral que exibe sua frontaria sem reboco é muito pobre em adornos. Até os nichos de sua fachada estão vazios sem nenhuma imagem. O relógio quadrado é quase uma aberração! Além de muito feio tapa um arco da torre sineira! Mas mesmo assim ela é bastante poderosa e muito bela. Gostei!


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