segunda-feira, 16 de março de 2015

Burj Doha e Torre Agbar

DOHA TOWER    ou    BURJ DOHA


Arquiteto: Jean Nouvel.
Local: Al Corniche Street, Doha, Catar.
Uso: escritórios comerciais.
Estilo arquitetônico: Tecnológico.
Filosofia: Arquitetura sustentável (verde)
Ano: 2012

          Atualmente o mais famoso edifício da moderna Doha e representante do estilo High Tech, esse monolítico prédio é ainda o que mais chama a atenção no skyline da cidade. De longe nada pode ser mais simples que suas linhas, mas o impacto que causa é tão grande que parece não ter concorrente. 
          Projetado pelo aclamado arquiteto francês Jean Nouvel, ajuda a reescrever a história do Emirado do Quatar, que investe maciçamente na reconfiguração de sua Capital com vistas a torná-la uma das grandes cidades do século XXI. Para isso, os emires não poupam esforços nem dinheiro. A cidade parece um canteiro de obras e a cada esquina novas maravilhas dos mais variados estilos ganham corpo em tempo recorde.


          Inaugurado em 2012 com um custo final que superou a cifra dos cem milhões de dólares, passou a figurar entre os edifícios mais interessantes do planeta, e como tal, recebeu inúmeros prêmios de arquitetura, como já era esperado! Idealizado para virar ícone e símbolo de poder, recebeu inúmeras críticas positivas mas, não conseguiu escapar da óbvia associação à genitália masculina. Há uma versão local, que gera ainda mais provocação e graça, de que a agulha que existe em seu topo fora colocada depois de entregue e inaugurado, para tentar quebrar essa relação. Apesar de não comprometer o projeto, confesso que em minha opinião essa peça deveria mesmo ser removida. Prefiro o prédio sem a interferência dessa ponteira metálica. Me lembra um Narval! E que mal há em se parecer com uma camisinha gigante?


          O Burj Doha alcança, descontada sua agulha, 231 (duzentos e trinta e um) metros de altura e  abriga 46 (quarenta e seis) pisos que unidos aos três do subsolo respondem por quase cento e dez mil metros quadrados de área.


          Ainda que seu formato seja inconfundível, é seu revestimento externo que realmente o difere dos demais edifícios da área e da cidade. Totalmente revestido por uma pele metálica rendada que cobre uma segunda pele de vidro, camufla todas as aberturas e cria uma espécie de carapaça parelha e uniforme. É muito interessante e bastante bonita.


          Esta parede externa totalmente perfurada se comporta como um quebra-sol e traduz em linhas mais modernas a linguagem local de telas vazadas. O desenho que resulta dessa trama de metal faz referência clara ao desenho e ao padrão estético tradicionais da cultura da região. É o que há de mais moderno e atual na arquitetura islâmica que traz a tona seus valores reeditando suas linhas. Nesse ponto é bárbara e faz acreditar que nada de melhor e mais adequado pode ser feito na arquitetura de ponta.

         Na foto anterior fica claro como a diferença existente na permeabilidade do brise cria um desenho que acaba dando uma fachada principal ao prédio redondo. Interessante recurso para introduzir hierarquia numa fachada completamente cilíndrica. Nela também é possível ver onde o prédio começa a inclinar suas paredes e diminuir a área de seus pisos.




          O brise não funciona de maneira uniforme e essa variação é bem notada em razão da densidade da grelha cujo tamanho das aberturas varia conforme os pontos cardeais.
        A grelha se fecha ou se abre de acordo com a orientação geográfica e sua incidência solar, havendo dessa forma uma variação na permeabilidade da parede.
           
          Como funciona: quatro peles metálicas se sobrepõem, sempre repetindo o mesmo padrão. A mais interna exibe um desenho estrelado que se repete nas três seguintes. Entre elas existe uma mudança na escala do desenho que fica mais e mais fechado rumo ao exterior, ou seja: quatro folhas de brise com o mesmo desenho em quatro escalas diferentes, fixadas a pouca distância umas das outras, onde a mais interna é mais leve e aberta, enquanto as duas intermediárias seguem o ritmo na mudança de escala e ficam em todos os sentidos a meio termo, acabando com a mais externa mais densa e fechada.
         A pele mais interna dá a volta completa no edifício, enquanto as outras o cobrem parcialmente. Nas áreas onde a incidência de sol é maior e inclemente as quatro folhas se unem para barrar seus efeitos, enquanto que nas áreas onde o sol age com menor força o número varia para três ou duas.
        Isso dá uma certa variação na fachada e cria áreas que acabam quebrando a monotonia do conjunto. Muito bonito. 


O maravilhoso efeito rendado obtido pelas sobreposições do brise soleil.
Já era fã desse recurso utilizado pelo arquiteto em seu projeto do parisiense Instituto do Mundo Árabe.


Muito interessante as camadas estreladas: da mais densa à mais leve, sempre formando estrelas de oito pontas.



          O partido adotado nessa fachada é muito apropriado para o local. Diferentemente da grande maioria dos arranha-céus que estão sendo levantados, tanto em Doha, como em todas as grandes cidades da península Arábica, o Burj Doha não peca em estilo e não se curva ao modismo das peles de vidro. Suas linhas são harmônicas e sua tecnologia avançadíssima. É o conceito de arquitetura mais bacana que se pode encontrar em toda a cidade. Os fatores climáticos são realmente levados em conta nesse projeto que se furta de erros como profusões de paredes brancas, milhões de aletas, agigantados planos horizontais, e enormes panos de vidro. 


          Todos os prédios ao seu redor sofrem com o calor infernal somado à umidade proveniente do mar. Por causa do sol, as torres de vidro provocam reflexos nem sempre desejados quando limpos! Sim! Quando limpos! Porque os ventos sempre abundantes levantam muita areia que acaba depositada em todas as fachadas. Quase todos os prédios de vidro ficam totalmente cobertos por uma camada de areia. Isso é muito feio e requer intensa e constante manutenção. A fachada do Burj parece imune à estes problemas: filtra a luz solar de maneira adequada, barra os ventos também de maneira adequada, protege seus vidros dos efeitos da umidade e da areia, facilita a limpeza da área externa, cria um efeito de pátina dourada que combina com as cores do deserto, brilha de maneira sutil e elegante e assume uma inquestionável cara de obra das mil e uma noites! E por falar em noite, é nessa hora que ele fica ainda mais legal! Jogos de luzes o tornam uma pira totalmente iluminada! Fica plenamente coberto de cor, que pode variar do mais luxuoso amarelo ao mais profundo dos azuis: de tirar o fôlego, como mostram as imagens abaixo colhidas na internet.




          Acima a plataforma que existe entre a parede de vedação em vidro e as estruturas metálicas do brise. Todos os andares são dotados desse corredor externo que permite manter o prédio sempre limpo. Note a luminária no chão. Aqui projetando luz amarela que pode ser trocada por qualquer outra cor. Essa fonte de luz apaga totalmente a estrutura do prédio e faz fundo para a grelha. Quando acesas as luzes frias internas, o prédio assume uma coloração branca e os pilares ficam retratados por baixo da renda metálica.



          Todas as entradas ao edifício ficam rebaixadas em relação à rua e protegidas do sol por uma cobertura de placas metálicas perfuradas que obedece a cota das vias públicas. Essa cobertura é totalmente horizontal e procura estender o plano da cota zero até os limites do prédio. O efeito obtido é bastante interessante e tem por objetivo fazer parecer que ele brota direto do chão. Outra função (desse rebaixamento dos acessos) que parece clara é a proteção aos ventos do Golfo que não encontram obstáculos naturais. Os taludes (acima dos três pisos subterrâneos), que revestem os muros de contenção, foram idealizados como paredes verdes, que suavizam visualmente e ajudam a criar um espaço com temperaturas mais amenas e umidade controlada. Boas soluções para um clima tão quente.


Na verdade a entrada é muito pobre e pouco trabalhada. Poderia ter sido mais caprichada...

        Tanto o diâmetro de sua base como da maior parte de seus pavimentos é de 45m (quarenta e cinco metros), já contada a grelha externa. Vencidos dois terços de sua altura, uma leve e gradativa diminuição da área dos seus pisos vai afinalando suavemente o edifício que termina em forma de cúpula. Essa cúpula não possui nenhum tipo de marcação que possa indicar onde ela tem seu início fundindo-a totalmente ao corpo. 



          No corte da direita, na figura anterior, pode-se notar a interessante estrutura. Seus enormes pilares em concreto armado formam uma grelha que infelizmente não é vista do lado de fora. Enquanto estrutura é muito sofisticada e bastante bela, mas para por aí. Na verdade, internamente, esse conjunto de pilares perde todo o efeito e se volta contra o próprio projeto. Enormes tornam-se obstáculos à paisagem e ferem a leveza do conjunto. A grelha já que não é vista do exterior some completamente. Os pisos muito próximos não permitem o entendimento da estrutura, que fracionada, se comporta de maneira diferente em cada andar. Uma pena! O metálico casco externo, que mais parece um exoesqueleto, não deveria ser a opção para a vedação de suas fachadas se a estrutura fosse a grande protagonista do projeto. Mas como não é, me parece adotar uma solução inadequada. Não tem cara de ser econômica (não que essa tenha sido uma das preocupações) e não é explorada como poderia.

       Alguns andares possuem alturas diferenciadas, como seu hall com mezanino em pé-direito duplo ou o grande vão quíntuplo do último pavimento abaixo da cúpula. Internamente os acabamentos acentuam a proposta "high tech" do projeto.



          Na fotografia da parte interna da cúpula é possível ver as quatro peles da parede que funciona como quebra-sol onde os desenhos estrelados se repetem inserindo uma estrela dentro da outra! Lindo mesmo! Digno de nota! Nessa cúpula os pilares de concreto armado não aparecem, restando apenas as estruturas metálicas.

          Em poucos locais e momentos as colunas cruzadas podem ser apreciadas. Como no acesso ao interior do grande hall de entrada da torre de escritórios ( e mesmo assim somente em metade de sua planta baixa) e no vão dos elevadores panorâmicos voltados para a grelha de concreto convexa. Mas já é o bastante... 



Na foto acima uma imagem de um dos oito elevadores panorâmicos voltados para a parede convexa.

        
          O reflexo das colunas no teto escuro (acima) ilustra como elas se comportam a medida que ganham altura. Esse jogo de colunas nos faz lembrar diretamente das colunas de Niemeyer e de alguns outros arquitetos do modernismo. Já nos andares-tipo (abaixo) a coisa fica mais complicada e as colunas perdem seus maravilhosos ritmo e força, ainda que em alguns pavimentos (não em todos), como no mostrado abaixo, elas assumam um belo formato de "V".  


          Adoro a farta profusão de luz natural com seus reflexos e sombras no piso, paredes e colunas! Só não sei se são adequadas para um ambiente de trabalho. 

          Como pode sugerir, o núcleo do edifício não é tomado pela coluna de circulação vertical, que assim como as instalações de apoio e compartimentos de serviços, é deslocada para o lado a fim de deixar livre um grande e único vão pra os escritórios e áreas de convívio.


A linda planta baixa deixa clara a excentricidade do eixo. Muito legal!
Fácil notar os oito elevadores voltados para trás da planta, frente à quatro colunas.

Abaixo outro corte que evidencia a brutalidade dos pilares de concreto armado.
Faltou aí um engenheiro civil ou um calculista brasileiro para dar uma proporção mais graciosa...


          Toda essa minha decepção, pelo fato da estrutura ficar escondida, é porque não são muitos os arranha-céus sustentados por pilares de concreto-armado cilíndricos (que acabam formando uma grelha) que existem por aí! É uma coisa linda que merecia ficar à mostra sempre! Apesar de serem muito grossos, são perfeitamente executados e muito bem acabados. Pelo fato de se cruzarem, de tempo em tempo e diversas vezes, obtendo uma forma clara de "X" deveriam ser devidamente expostos. Tal arrojo de engenharia merecia ser devidamente evidenciado. É uma pena que a maravilhosa pele metálica abafe a estrutura, vista plenamente em raríssimas vezes e somente durante a noite dependendo dos efeitos luminosos adotados. É como nos antigos palácios venezianos onde muitas vezes uma obra de arte cobre outra tão bela quanto!


TORRE AGBAR EM BARCELONA/ ESPANHA

Arquiteto: Jean Nouvel.
Local: Avenida Diagonal, Barcelona/ Espanha.
Uso: comercial.
Estilo arquitetônico: Arquitetura moderna e Tecnológica.
Filosofia: Arquitetura sustentável (verde)
Ano: 2004

           Outra versão do mesmo edifício, projetado pelo mesmo arquiteto, agora em um outro país, oito anos antes. Trata-se da Torre Agbar.         





          Pode parecer pura repetição de partido, mas não é. É natural, entretanto, que a primeira crítica esbarre no fato de serem volumetricamente idênticas e possuírem uma segunda pele retroiluminada, além do fato de brotarem diretamente do solo sem nenhum tratamento de hierarquia ou ruptura entre o público e o privado.

           Acontece que a variação na maneira de conceber a parede externa em conjunto com a interna, faz deles edifícios muito distintos entre si. A própria forma de iluminar o vão entre essas duas paredes evidencia tal diferença. Nouvel mostra toda a sua genialidade ao propor, então, duas torres parecidas com notável diferença nos padrões e referências culturais. É óbvia a relação direta estabelecida entre as obras e suas cidades. A torre de Doha é perfeita para uma cidade do oriente-médio, com sua "arenosa" renda metálica de diferentes aberturas e a Torre Catalã é muito "a cara" de Barcelona com suas cores vibrantes em seu colorido mosaico que lembram Gaudí. 

          Assim como em Doha, aqui em Barcelona o projeto ocupa todo o terreno disponível. A impressão que nos dá é que há mais de cem por cento de área edificada. Um exagero sem dúvida nenhuma, que passa a depender das áreas públicas ao seu redor para suprir a necessidade de afastamentos e respiros. As perspectivas são na verdade bastante abertas, mas, devido ao entorno que é muito generoso em seus vãos livres, frutos de seu urbanismo com circulações confortáveis e vegetação esparsa.


A parede cinza por fora com a colorida por dentro...


Pormenor da fachada durante o dia e durante a noite.


Iluminada por mais de quatro mil dispositivos que usam tecnologia LED


          Quem passa ao lado em determinado ponto fica tão próximo à estrutura que é capaz de ter essa visão maravilhosa! Um deleite para quem curte estruturas. O guarda-corpo metálico faz a moldura final para o conjunto e delimita a linha entre público e privado.



          A parede interna, salvo suas janelas, é inteiramente revestida com placas de alumínio corrugado e colorido. Essas placas é que dão a cor da torre quando iluminada a noite. Durante o dia, seu aspecto monocromático e acinzentado é proveniente das aletas de vidro fixadas na pele exterior. Essa carapaça metálica e vítrea funciona como um competente brise soleil e alterna vidros translúcidos com vidros jateados em uma disposição aleatória. 


Detalhes do fosso que separa a torre do campo à sua volta.
     


          Uma porção do edifício ganha o subsolo da praça que o rodeia; como fica fácil de ver na abertura menor com aletas no muro de contenção da área ajardinada. Esse detalhe de um fosso ao redor do volume cilíndrico é muito interessante e bastante pertinente ao imaginário europeu. Gosto dessa perspectiva de planos e gosto desse efeito que aproxima o prédio do pedestre. 


          Como não podia faltar em um projeto de Nouvel a tecnologia aplicada é realmente fantástica. A exemplo disso, as aletas metálicas que sustentam as placas retangulares de vidro, movem-se orientadas por sensores elétricos e computadorizados que medem a intensidade do calor e iluminação natural. Esses sensores de temperatura, posicionados no lado externo da torre, agem eficientemente para poupar a energia aplicada à refrigeração artificial dos ambientes internos. 


Ainda que muito tímida, a marquise de estrutura metálica e vedação em vidro, proporciona belo detalhe.




Tanto a torre como sua marquise de entrada passam a ideia de brotarem e emergirem do solo.



          Acima a fachada norte voltada para a grande Avenida Diagonal. Uma bela porta giratória liga o exterior ao interior. Sua marquise acompanha o desenho das fachadas e forma um crescente que brota do chão. Efeito muito interessante e bastante bonito que confere movimento e implementa certa noção de hierarquia. 


         Abaixo uma vista da Torre Agbar a partir das torres da Sagrada Família. O edifício se destaca tanto por seu formato vigoroso como por sua extraordinária altura: é atualmente a terceira maior estrutura da cidade e arredores e por isso encontrou grande oposição dos arquitetos e urbanistas mais tradicionais. A grande vantagem dela em relação à Doha Tower é que felizmente os espanhóis não fizeram troça do seu formato e por isso não correram o risco de somar à estrutura aquela horrorosa ponteira metálica! Sua desvantagem é o fato de ferir o entorno e ir de encontro às tradicionais leis do urbanismo implementadas pelo Plano Cerdà.


          Do subsolo até ao seu vigésimo sexto piso, o prédio é um perfeito cilindro de concreto e vidro. Depois disso sua estrutura passa a ser metálica e sofre uma deformação, afinando suavemente, que culmina em sua cúpula, assumindo o formato ogival e ultrapassando os cento e quarenta metros de altura.


          A torre vista a partir da nova e moderníssima cobertura da feira livre de Encants Vells. Essa nova cobertura (para a nova localização da mais antiga feira livre de Barcelona e um dos mais antigos mercados de pulgas europeus) teve tanta repercussão e polêmica quanto a Torre Agbar. na verdade fazem hoje um grande complexo moderno ao redor da Praça Das Glòries. A torre surge por detrás do volume quadradão do Museu Catalão do Design (outro edifício novinho em folha...) que compõe a nova área ao final da Avenida Diagonal, a  meio caminho do mar e da orla modernista reformada para as olimpíadas.

Abaixo algumas imagens colhidas na internet

Três cortes transversais do edifício

Abaixo três plantas baixas baixas dos pavimentos da torre.



Etapas da construção do cilindro de concreto
e da colocação de sua cúpula.



As paredes de concreto sem as plataformas dos andares.



Acima detalhe da cúpula metálica e 
abaixo detalhe da parede externa com vista para a cidade.


Por fim uma imagem de como a torre se destaca no skyline de Barcelona.



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