quinta-feira, 19 de março de 2015

DUBAI


Assim começa Dubai...
...com sua arquitetura vernacular!


Eu na zona central. No Creek que separa os dois bairros mais antigos.

        Você vai adorar! Era o que me falavam todos que já tinham ido à Dubai, quando sabiam da minha vontade de conhecer a "bola da vez". Não havia exceção e a empolgação era sempre a mesma. Muito rica, muito grande, muito interessante, muito limpa e organizada. Os superlativos sempre elogiosos se multiplicavam e elevavam a minha expectativa ao máximo. Pois bem! É pra lá que vou!

       Decidido, parti em busca do que poderia haver de melhor e mais interessante em termos de arquitetura e urbanismo, sempre tendo em mente o já célebre Burj Al Arab e mais alguns edifícios amplamente conhecidos mundo afora.


O Burj Al Arab é mesmo lindíssimo!

          Uma curiosidade que faz a festa dos guias de turismo e dos arquitetos em geral é a provocativa forma que surgiu no vértice voltado ao mar, desse que era para ser o símbolo maior dos Emirados Árabes Unidos. Visto da água, o prédio mais famosos do país, que tem com religião oficial o islamismo, forma a maior cruz latina do oriente médio. Não se sabe até hoje se o símbolo cristão foi projetado de propósito ou se foi mera coincidência. O fato é que quando foi notado já era tarde demais para modificar o projeto, ainda que dinheiro não faltasse. Creio que para os locais isso pouco importa...


          Fiquei por lá cerca de uma semana e pude constatar que quase tudo o que haviam me dito realmente fazia sentido. Era mesmo muito desenvolvida, segura, ordenada, limpa e bem mantida. Tudo era distante e a dependência do carro uma constante. Largas avenidas e implantações novíssimas esquadrejavam o deserto à beira-mar dando espaço para o surgimento de bairros comerciais, residenciais e alguns empresariais. Filiais de grandes e famosas firmas, hotéis de renome internacional, extensões de respeitados hospitais e empreendimentos binacionais pontuavam em todas as direções. O traçado urbano se mostrou muito eficiente ainda que pouco bonito e nada verde. Paisagismo parece que não existe naquela cidade. Pelo menos até agora.


          Já quanto ao patrimônio edificado alternei sem parar críticas negativas com críticas positivas. O saldo felizmente foi positivo, mas, tive que passar um tempo maior que o gasto habitualmente pelos visitantes para poder afirmar que gostei da cidade. Os dois primeiros dias serviram para desintoxicar a mente de todos aqueles exagerados elogios feitos para mim a respeito da "maravilhosa" arquitetura exibida por todos os lados. Maravilhosa sim, mas em poucos e determinados lugares. De restante nada de tão especial assim e em alguns casos inversamente proporcional ao senso comum. Não faltaram as colossais e pitorescas torres de vidro, tão comuns nas grandes cidades, nem as sofríveis cópias de edifícios famosos como o norte-americano Chrysler Building (ao todo três) ou a britânica Elizabeth Tower do Parlamento Inglês com seu famoso relógio (torre do Big Bem). Torres cafoníssimas surgiam em maior número nas margens das enormes avenidas escondendo por vezes outras mais interessantes e detentoras de verdadeiro valor arquitetônico.

          Infelizmente o ímpeto de criar algo inusitado e único acabou por erguer coisas de gosto bastante duvidoso. As próprias torres de vidro, com os mais variados formatos e tão diferentes entre si, produzem um conjunto disforme, repleto de planos e ângulos, gomos e plissados, reentrâncias e saliências, côncavos e convexos, cheios e vazios: de tão performáticas caem na mesmice. Nesse contexto, o que realmente chama a atenção, são a conceitual simplicidade e a pureza das formas de alguns poucos e notáveis prédios.
          Então, para um arquiteto, são esses poucos e maravilhosos prédios que fazem valer a viagem e justificam a fama da cidade-estado como detentora de uma bela e excêntrica arquitetura.

          
          Tive sorte na escolha do local em que fiquei hospedado: Marina de Dubai (foto anterior). Festejada como a maior marina artificial do momento, está quase que totalmente tomada pelos empreendimentos projetados, ainda que pouco desenvolvida comercialmente. Localizada ao sul da cidade e a beira mar, fica um pouco distante do centro empresarial e da Dubai antiga. Lindíssima e enorme. Feita paralela à linha costeira é cercada de todos os lados por edifícios altíssimos e novinhos em folha. Nem todos bonitos como deveriam, mas certamente todos muito modernos e confortáveis. Suas margens assumem um desenho ondulado que serpenteia por todo o perímetro e cria recantos protegidos do sol pela sombra das altas torres que avançam sobre a água. Esse desenho orgânico dá movimento e dinamismo ao bairro, favorito daqueles mais antenados e sofisticados que fazem suas corridas e pegam praia durante o dia e voltam para curtir os famosos bares e restaurantes a noite. 


Duas fotos da região da marina tiradas da internet


Abaixo algumas imagens da Marina com seus modernos edifícios.
          







          A moda nas fachadas dos últimos prédios é adotar as cores quentes que variam do bege ao amarelo forte, de apelo mais natural e iluminado, e assim, mais de acordo com a arquitetura incidental do passado. Essa nova tendência de trabalhar os exteriores dos edifícios tem como resultado positivo o fato de ser mais adequada ao clima, pois absorve melhor o impacto da farta luz solar e ao mesmo tempo protege seus interiores. Essa corrente estilística além de mais eficaz quanto à higiene e equilíbrio térmico das habitações exibe maior personalidade. Outra vantagem de caráter arquitetônico é que torna visível alguns detalhes estruturais muito interessantes e também deixa mais área de alvenaria exposta, que muitas vezes é trabalhada com texturas ou volumes. Esses recursos arquitetônicos são muitas vezes enriquecidos com gradis, balaustradas, caixilhos decorados e elementos vazados que contribuem na busca por um estilo próprio que identifique-se com as manifestações culturais do Emirado, bem diferente do que acontece quando se levanta mais uma torre envidraçada. Esses tons terrosos funcionam muito melhor (ainda que não seja garantia de uma bela fachada) que o azul vítreo dos revestimentos externos mais frequentes na primeira década dos anos 2000.


          Mesmo que exista por parte de alguns arquitetos a busca por referências locais, o padrão que domina é mesmo o das grandes torres de linhas contemporâneas. Como o país é muito pobre em registros arquitetônicos e não tem nenhum estilo que o diferencie do restante do mundo árabe, o campo para criar fica bastante aberto e o leque de opções acaba sendo muito grande. É certo que criar algo novo fazendo uso das mais avançadas tecnologias disponíveis é muito mais fácil que reinterpretar o estilo local. Para as altas construções parece mesmo um pouco desajeitado fazer uso de um estilo rebuscado como o árabe, mais adequado á edificações cuja escala humana seja mais ajustada. Bem por isso as altíssimas torres não se prendem à estes maneirismos. Já aquelas outras, cujo partido mais horizontalizado não ultrapassa os oito andares, todo e qualquer rendilhado é bem vindo. Nesses, portanto, encontramos trabalhos muito bonitos.


Um ângulo do calçadão comercial paralelo à praia com torres hoteleiras ao fundo.
É nesse calçadão que estão alinhados os bares e restaurantes mais badalados do bairro.


         A seguir, eu, na praia do lado de fora da Marina com vista para o seu maior aglomerado de edifícios ao fundo. É nesse ponto, ao norte do braço artificial de água, junto a uma das saídas ao mar, que estão as estruturas mais altas. Nessa parte também é onde fica a maior concentração de prédios com os exemplares mais interessantes e bonitos. A praia é bastante longa e possui, como quase todas as praias da cidade, uma larga faixa de areia fina e branca. Na ponta oposta, ao sul, existe um novíssimo complexo comercial repleto de bons restaurantes e boutiques de luxo. Antes de chegar nesse ponto a praia é dominada por clubes, hotéis e paradores privados que a separam e escondem das vias públicas. Tudo feito com muito requinte e bom gosto. 


          Dubai na verdade não é uma cidade nova, existem registros de sua existência datados de 1799 e depoimentos de geógrafos e mercadores desde o século XI. Estudos e escavações comprovam a ocupação humana desde a antiguidade. Mas esse colosso moderno é recente. Fruto dos petrodólares e da ambição visionária dos seus monarcas, Dubai expandiu seus limites e ganhou altura. Desde os anos setenta vem crescendo em um ritmo acelerado que ganhou força e vitalidade na virada do século XXI. Estabeleceu, então, um padrão que passou a ser copiado pelos países vizinhos.
               
            A parte antiga de Dubai não pode ser considerada bonita nem arquitetonicamente interessante, pois dominam aquelas horrendas construções dos anos setenta que muito provavelmente suplantaram a arquitetura espontânea do início do século vinte e o pouco que havia de histórico dos séculos anteriores. O que se mantém de mais antigo, são poucos conjuntos de moradia da classe dominante (casas de emires e seus familiares), algumas escolas, uma fortificação e uma ou outra parte reconstruída em meio ao caótico urbanismo da área central que foram transformados em museus ou casas de cultura.
          Bem no coração desse pobre conjunto arquitetônico existem os bazares. Interessantes estruturas que cobrem ruas de comércio. Alguns bem trabalhados com estruturas elaboradas de madeira e outros nem tanto. Nesses lugares não é a pobre arquitetura que interessa, mas sim a riquíssima relação humana com todas as suas variantes. O frenesi existente é delicioso e empolgante. De todos os lugares o meu favorito! Vivenciar o cotidiano, longe dos esteriótipos turísticos (mesmo que seja um lugar onde o turismo é muito forte) e provar do dia-a-dia dos comerciantes e das pessoas mais simples, reconduz o visitante à sua verdadeira escala e condição. Diferente dos outros lugares a Dubai ao longo do Creek (braço de água que faz um tipo de estuário e divide a área central em duas) é feita mais para se andar a pé do que de carro. Fantástico.




A arquitetura dos meados do século vinte não trouxe muito valor ao centro urbano, excetuando os edifícios de caráter religioso.


          Acima alguns minaretes relativamente novos muito típicos da arquitetura do islã e abaixo a mais antiga estrutura erguida em Dubai ainda preservada: o Forte Al Fahidi datado de 1799.


        

         A arquitetura das casas dos mais abastados era feita com pedras, gesso e areia enquanto as populações mais pobres viviam em cabanas de madeira e folhas. O número de andares raramente ultrapassava os dois e todas as casas eram levantadas muito próximas umas das outras criando estreitas ruas que, sombreadas pelas paredes, criavam um clima mais ameno, refrescado pelo ar canalizado e fresco. 


          Paupérrimas em elementos decorativos as casas dos mais ricos tiravam partido dos materiais utilizados em sua construção onde a solidez era o maior indício de status. Não raro as enormes portas de entrada, que eram executadas inteiramente de madeira, montadas por diversas peças ou até mesmo esculpidas de um bloco só, acabavam por ser o mais importante adereço da edificação. Em alguns casos as paredes ganhavam  pequenos desenhos, geralmente próximas ou no lugar de suas janelas, que podiam exibir em relevos, vazados ou mesmo em pinturas bicolores formas geométricas ou florais. Ainda que muito bonitos esses desenhos apareciam de forma tímida e rara.


A cor areia das paredes revela a matéria prima utilizada na construção, muito pobre em acabamentos e tecnologia. Deve-se entender que estas estruturas não são muito antigas.


          Nessa sequência de fotografias é mostrada a casa do ex governante Saeed Al Maktoum. Localizada em uma das margens do Dubai Creek, foi erguida nos finais da última década dos anos de 1800, nas portas do século vinte, para servir de moradia à sua família em tempos em que a exploração de pérolas prosperava e fazia da cidade um dos principais portos do Golfo.  


          Em um misto de religião, costumes, tecnologia e clima as casas eram concebidas para garantir a maior privacidade possível. A total discrição e preservação da intimidade familiar fazia com que as estruturas fossem as mais fechadas possível ao exterior (rua) e abertas para um vão central para o qual eram voltados todos os ambientes de convívio e alguns compartimentos de serviços componentes da casa.


          As torres de vento devem ser as estruturas mais simbólicas da cidade. Não havia casa sem a presença de pelo menos uma dessas torres. Incrivelmente bem adaptadas ao clima, funcionavam de maneira exemplar captando os ventos de todas as direções. De planta quadrada com alturas e larguras que podiam variar de acordo com o tamanho do ambiente interno a que iriam refrescar, sempre divididas em quatro seções a partir de uma parede em X, embelezavam as casas ao criarem volumes muito destacados. 













          No coração do bairro de Deira essa peculiar fachada que não está nem lá nem cá (risos), salta aos olhos do pedestre em meio à uma quase totalidade de fachadas insípidas e pobres. Muito interessante e bastante peculiar, a despeito do mau gosto e da quase inocência de sua concepção, exibe um conjunto de janelas que mais parece um catálogo de produtos. O que poderia ser para os mais puristas um exagero, provocado pela óbvia falta de um conhecimento mais técnico ou mesmo mais especializado, se revela divertido e autêntico. É na verdade uma fachada diferente e sim, divertida, que demonstra a preocupação de manter viva certas tradições estilísticas.  



          Cada andar exibe um detalhe diferente no coroamento da janela e em algumas pilastras. A influência oriental é clara, contudo as peças decorativas pré-moldadas são muito pesadas e resultam muito abrutalhadas. Ainda bem que a cor escolhida é bastante suave e permite que as sombras  dinamizem seu ar engessado pela forte simetria e ritmo.

            

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