terça-feira, 4 de outubro de 2016

Casa Batlló

CASA BATLLÓ


          Situada no número 43 do agradável Passeio de Grácia (uma das principais avenidas de Barcelona), a Casa Batlló é um marco da arquitetura catalã e um expoente das artes na cultura universal. Grande representante da obra de Antoní Gaudí, soma sua importância histórica e arquitetônica ao originalíssimo conjunto modernista da Catalunha. Tombada pela UNESCO, figura como patrimônio mundial desde 2005, ano em que se juntou à outras obras do arquiteto espanhol como a Casa Milá, o Parque Güell e o Palau Güell, que já detinham o título desde 1984. 
            Encomendada em 1904 pelo industrial do setor têxtil, Josep Batlló i Casanovas, a casa Batlló surgiu da reforma de uma propriedade já existente no local desde 1875 de autoria do arquiteto Emili Sala Cortés.


          A intervenção sentida pela propriedade teve real impacto na sociedade burguesa local e fez da casa uma grande rival para outras célebres residências do mesmo quarteirão. A nova configuração alterou por completo sua fachada que ganhou novos volumes e principalmente altura, passando de cerca de vinte metros para trinta e dois. Assim, um quinto andar de vivendas foi anexado, além do sexto e último piso, cuja função era dotar a casa de mais algumas áreas de apoio e trabalho; nesse último andar, abaixo do terraço, foram também somados alguns aposentos para empregados.

          Sua fachada ganhou movimento e cor numa verdadeira epopéia de formas e cores, onde a pedra esculpida e moldada se relaciona com inacreditáveis revestimentos de vidro e cerâmica. Os primeiros andares dominados pelo arenito liso e monocromático funciona como um belo embasamento para o extraordinário complemento acima. Entre as ondulantes formas que criam suaves volumes sobre o passeio, um rico conjunto de janelas exibe o melhor da carpintaria da época e, como se não bastasse tanta excelência dos artesãos locais, nelas foram colocados belíssimos vitrais. Nos andares superiores foram criados belos e originais balcões vazados, reinterpretando de forma inesperada a tradicional balaustradampara onde se abrem duplas portas com venezianas.

          Na parte superior (entendida a partir do piso onde não existem mais os balcões) um recuo na porção esquerda da fachada mostra a preocupação com o volume da casa ao lado. Dele parte uma pequena torre encimada por uma cúpula "cebola" que serve de base para uma cruz de quatro pontas. Sobre esse andar (de serviços), um alto telhado elevou ainda mais o ponto de cumeeira no centro do edifício e acentuou ainda mais a forma triangular de seu topo. 

          Seu telhado forrado por telhas com aspecto reptiliano, brincam com o imaginário e exibem cores e brilhos camaleônicos que fazem parecer que um dragão está deitado sobre o prédio e olhando para baixo. As peças cerâmicas que forram a linha da cumeeira, alternam formas gordas e magras sugerindo um dorso escamoso. Muito explorado pela curadoria atual, essa imagem do animal mitológico ganha vida em projeções de filmes feitas sobre a fachada em dias especiais ou de festa, que podem ser vistos também, durante a visita ao imóvel em uma pequena maquete de gesso.


O desenho orgânico do conjunto, completamente diferente do que havia antes, faz da casa Batlló um verdadeiro deleite aos olhos de quem curte arquitetura. 


          A fachada foi forrada com peças de terracota esmaltada e vidro e ganhou essa aparência que lembra a pintura  Nenúfares de Monet, com todos os seus verdes e roxos. A casa ganhou esse ar aquoso que não para por aí e invade seus interiores seguindo a inspiração do mundo das águas e da literatura de Júlio Verne.

          A decoração é muito forte em toda a concepção da casa, tanto em seu exterior como em seu interior, mas nem por isso a estrutura e a arquitetura são postas de lado, ou seja, a decoração surge junto e passa a ser um elemento arquitetônico e escultórico.


A iluminação artificial deixa a casa ainda mais bela.
Abaixo, uma vista aproximada dos balcões que lembram máscaras ou caveiras...


          Abaixo a grande janela da sala principal do apartamento da família Batlló. A maior de todas as aberturas da fachada, assume seu papel de destaque na clara frontaria de arenito (que se projeta da parede original) e estabelece a hierarquia na composição estética e funcional no projeto de Gaudí. Centralizada na máscara ondulante (que forra os dois primeiros andares, se eleva em ambos os cantos do terceiro), tem um formato que para alguns lembra um morcego de asas abertas. Seus delgados pilares que dividem o grande vão em cinco partes (corpo e duas asas do alado mamífero) parecem partes de esqueletos, como ossos de membros, e são , por esse motivo, responsáveis pelo apelido que a casa ganhou de:
"a casa dos ossos ".


O janelão central durante a noite e dia!
Linda tanto translúcida como espelhada!


          O interessante é que os pilares ficam soltos das janelas, permitindo uma única peça sem divisões colocada por trás da estrutura de sustentação das vigas superiores. Lindas as duas "bay windows" dos cantos do terceiro piso que ajudam a fazer a transição entre a base e o corpo principal da fachada.


          As sacadinhas isoladas, que lembram máscaras venezianas, garantiram ao prédio mais um apelido:
" a casa das máscaras".


          No interior da casa, a escada do acesso principal é o primeiro elemento que causa surpresa e admiração! Seu formato orgânico  é literal! Os degraus de madeira se expandem na linha abaixo do corrimão onde, ao se retorcerem e se encaixarem, formam um desenho que remete à uma espécie de coluna vertebral. Essa seqüência de vértebras (bem definidas) dá acabamento ao maciço que faz a curva e se eleva: "o dragão está presente" e sua ossatura parece confundir-se com a estrutura da casa que se abre acima. No arranque o corrimão ganha uma coluna de ferro retorcido com esfera de vidro, cujo o par, dá também acabamento em sua outra extremidade, no vestíbulo da casa da família, localizado no piso superior. Essa peça metálica nem sempre foi clara como está agora. Eu particularmente prefiro como tinha visto nos livros em cor bem escura... O rodapé desse ambiente é todo ondulado diferenciando-se do parquete com desenho que respeita o corte retangular de suas peças.


O incrível desenho orgânico do degrau que exibe perfeição. 
Impactante e incrivelmente lindo! 
Se Deus está nos detalhes, o que dizer de Gaudí? 


Paredes e madeiras ondulantes... 
...atenção ao detalhe da madeira curva de cada degrau...
Alusões à seres mitológicos convivem com formas que remetem à ossadas de animais pré-históricos


          Acima, o final do corrimão da escada, coroado por quase um "cetro": uma alegoria corajosa que exibe o gosto apurado de Gaudí pelas peças de serralheria. Infelizmente não encontramos na casa Batlló aquelas maravilhosas e tão elaboradas esculturas, portas e gradis de ferro que vemos em outras obras do arquiteto.

Abaixo duas belas claraboias que clareiam a circulação vertical e que fazem conjunto com a luminária embutida no corpo da escada que ilumina o fundo do hall do andar térreo.


          Inteiramente revestido com cerâmicas refratárias o "casulo" da lareira (aberto para o vestíbulo de chegada do piso principal), converteu-se em um dos mais emblemáticos elementos arquitetônicos da casa. Totalmente lúdico e fantasioso, invade um arco com formato de um cogumelo que remete ao imaginário de uma garganta. A própria chaminé lembra as entranhas e vísceras do onipresente e gigante animal que será reforçado em vários outros pontos do interior da casa. O aspecto metalizado da cerâmica é bem representativo da época em que a casa foi reformada por Antoni Gaudí, utilizada em diversas obras ao redor de Barcelona, sempre em detalhes decorativos, o que faz entender, se tratar de algo caro e sofisticado. Essa palheta de cores que transita entre bronzeados e dourados eleva ainda mais a aura de romantismo, sem, contudo, nublar a sensação de modernidade e vanguardismo. 


          Como tantos outros detalhes e elementos estruturais ou decorativos, o curioso formato do arco da lareira, que pode lembrar um cogumelo ou uma água marinha, transita entre várias Interpretações que aliam os mundos do mar e da terra nos devaneios artísticos do arquiteto. Suas orgânicas alegorias evocam tanto elementos da fauna e flora quanto representações de mundos reais ou imaginários.   


         Nas paredes de tonalidade terracota, uma impressionante pintura que tenta iludir o observador e fazer crer que se trata de um revestimento cerâmico. O efeito craquelado se repete pelos tetos e outros ambientes. Atenção à pequenina clarabóia sobre o arco da porta: ponto focal de fortíssimo impacto. A arquitetura interior dessa casa oferece uma experiência sensorial extraordinária e abusa das linhas orgânicas, que apesar de dominarem completamente os espaços internos, são tão sutis e fluídas que suavizam a simetria e fragmentam as arestas da arquitetura original. 


Em suma:
linhas orgânicas por todos os lados no que fora, anteriormente, mais um tradicional prédio quadrado. 
Atenção ao alto rodapé ondulado.




          A porta divisória entre os ambientes sociais desse apartamento segue intacta e é a maior de todo o imóvel. Fantástica, mostra o quão complexa era a obra do arquiteto. A madeira em cor de mel, muito bem talhada e tratada, cria um contraste lindo com as cores dos vidros. Seus encaixes são perfeitos e seu alto grau de elaboração faz dela uma joia da carpintaria.


Ainda hoje, o formato ondulado dessas portas causa surpresa devido à criatividade e coragem do projeto sem falar da técnica e da perícia na execução.  


Tirem esse lustre de cristal daí!!!!! Hum... contraponto!





          O tema marinho parece se repetir no teto, que recebe um tratamento com formas helicoidais e concêntricas que lembram um desenho formado na areia por um redemoinho. A criatividade subverte a lógica e põe o observador de ponta-cabeça!  Mergulha-se no fabuloso mundo do arquiteto que altera os conceitos e prova que nada mais será como antes. Uma casa pode não ser mais uma simples casa!  Pode ser uma fonte inesgotável de ilusões!


O tom areia com aspecto texturizado e rústico do teto, encontra o devido contraste no incandescente plafon de metal e vidro. 


          Os vitrôs, com estrutura muito delgada, ganham uma suave palheta de cores marinhas, em referência aos mundos aquáticos da obra de Júlio Verne (1828-1905). O próprio formato de suas estruturas (que formam desenhos de bolhas) reforçam essa ideia, levada a cabo pelos relevos obtidos nos vidros. Gaudí entendia do que propunha porque havia sido aprendiz de ferreiro antes de entrar para a Escola de Arquitetura de Barcelona, e conseguia por isso, extrair dessa arte o máximo em efeitos. 


          Na janela da fotografia anterior, uma vista sobre o Passeio de Gràcia. A preciosa peça de carpintaria da esquadria tripartida, sustenta uma bandeira de vidros e ferro forjado com desenho que complementa o revestimento externo da parede da fachada. Um pilar escultórico transpassa a vista e permanece enquadrado pela moldura de madeira, enquanto sustenta outro janelão (do terceiro andar) e por fim uma sacadinha de pedra no quarto piso. 

          Do lado de dentro da incrível e inconfundível janela do salão principal: é possível desfrutar tanto da bela vista da rua como da inacreditável peça de madeira ondulada. O exímio arquiteto contava com exímios artesãos. Esse conjunto de portas e janelas ondulantes, como as forças da natureza que as inspiraram, são de impressionar até mesmo os mais céticos.


          A estrutura de pedra ondulada (parece redundância, mas é impossível não repetir tais adjetivos) aplicada na fachada da antiga casa da família Batlló, cria um volume interessante e descola alguns pilares das paredes. Esses mesmos pilares que sustentam quatro das novas sacadas projetadas na reforma, são vistos tanto de dentro da casa como de fora. Trabalhados primorosamente a partir da fértil imaginação de seu autor respondem por um efeito plástico de grande magnitude. 

          Outro elemento arquitetônico bastante incomum é o par de colunas vistas a seguir, que fica localizada bem de fronte à porta de acesso ao pátio dos fundos. Muito curiosa essa proposta do arquiteto que gostava de colocar colunas em frente à vãos para desviar a circulação e potencializar a beleza da estrutura, repete a filosofia da estrutura solta da fachada principal. Esse gosto de Gaudí por colocando obstáculos nos eixos visuais é no mínimo inusitado. Fez isso, a despeito dos mais conservadores, com maestria aqui e em outra célebre obra: o Palácio Güell. Mais uma vez rompendo com paradigmas e criando uma arquitetura individualista, o catalão não fez escola nesse quesito. Fator que torna sua opção por colocar uma, duas ou mais colunas na frente de  janelas, arcos e passagens, muito característica de sua obra.



Assim como nos pilares ao rés do chão na fachada, esses lembram patas de elefantes...


Não sei se gosto desses pilares...


          A residência da família no piso principal é a única dotada desse terraço nos fundos (que cobre a porção de trás do andar comercial inferior). Dele podemos ver a fachada voltada para o interior do quarteirão que infelizmente não exibe a beleza da fachada principal. Nessa elevação as formas da casa original estão mais presentes. 


No piso uma passarela estampada que orienta a circulação rumo à porta de entrada da sala de jantar. 

         


          Esse fosso foi ampliado durante a reforma do prédio feita entre 1904 e 1906. Com a intervenção de Gaudí ganhou esse maravilhoso revestimento cerâmico que cobre três de suas paredes e exibe um conjunto de azulejos com efeito de confete em tons de azul. Nele foram posicionadas várias peças em relevo que enriquecem o espaço dando textura e aumentando as reflexões da luz. Esse recurso de dar rugosidade e saliência para as superfícies esmaltadas é muito eficaz  para criar efeitos óticos. Dessa forma essas paredes ganham movimento e um toque de brilho.

          Um detalhe interessante das aberturas voltadas para esse fosso é que ficam menores a medida em que sobem e chegam mais próximas da claridade. Quatro folhas na mais baixa e apenas duas na mais alta. Esse estreitamento das janelas fortalece o efeito da perspectiva e aumenta a sensação de altura.


Fundo clarinho: andares baixos.

          Outro detalhe interessante está na cor das paredes que vai, em degradê, escurecendo aos poucos em direção ao topo, iniciando mais clara no fundo (andares inferiores) e ficando mais escura perto da cobertura de vidro. Dessa forma, sendo maior sua absorção no topo e sua reflexão na base, a claridade que penetra nesse espaço é tratada de forma equilibrada. 


Fosso com claraboia.
Gosto do contraste com a madeira natural.


Belos azulejos em relevo.
 Os losangos ajudam a aumentar a sensação de verticalidade. 


          A janela acima lembra uma caveira e possui uma parte que funciona como entrada de ar, no que seria ao meu ver sua mandíbula. Muito interessante em sua utilização e bastante curiosa em seu formato chama logo a atenção. Importante ventilação cruzada a partir desse fosso para ajustar a temperatura interna da unidade habitacional. Abaixo a porta de um dos apartamentos de locação (dois por andar) emoldurada por lindas peças de cerâmica em tons de azul fazendo conjunto com o revestimento do fosso de luz.


Azulejos em azul cobalto bem perto da claraboia e na moldura da porta.


O topo da escadaria central com o arco ogival que divide as duas porções do vão central.


Detalhes da porta do elevador com acesso no patamar da escada:
1- Vidro com textura para promover a discrição e privacidade sem perder a luminosidade;
2- Delgadas peças de madeira torneada para garantir segurança;
3- Estrutura metálica com pintura clara para criar conjunto.


Mármore branco para dar leveza, claridade e higiene.
Dessa forma todo o destaque recai sobre o azulado fosso.


Lindo o corrimão da escada



          Os andares superiores foram anexados ao prédio original e elevaram a cota da altura em dois pisos mais o vão do telhado. Neles aparecem formas mais soltas e fluidas como esses ogivais arcos estruturais que inclinam as laterais do corredor. Enquanto nos andares inferiores as reformas ondularam somente as paredes, nos superiores tais linhas orgânicas ganharam também os tetos. A arquitetura passa a ser completamente autoral. 


Respiros nas paredes como se fossem branquias... 


Nesses aposentos de serviços o branco é dominante!


A casa é dotada de um terraço escondido pela alta crista do telhado da fachada.


Algumas chaminés com mosaicos policromados.

          Abaixo, eu apareço apoiado no telhado da casa, do lado em que é revestido pelos cacos de cerâmica cortados e assentados de forma irregular. Em conjunto criam esse desenho em degradê sob a técnica de Trencadís cujo significado é "quebrado". Esse tipo de mosaico conhecido em catalão por Trencat é uma constante na obra de Gaudí.



Acima e abaixo o dorso do dragão.
Do lado da fachada principal voltada para o Passeio de Grácia as telhas parecem escamas.



Abaixo duas imagens colhidas no site tauromaquia.com


Acima, a fachada da casa como era antes da reforma.


          Um corte transversal.

            Nesse desenho fica bem explicado a configuração do todo, inclusive do topo do edifício com seu terraço. Também fica fácil perceber  a "crista" do telhado que torna mais alta a fachada voltada para o Passeio de Grácia que está à direta. Os grandes arcos ogivais marcam os novos andares criados por Gaudí. A longa estrutura da clarabóia cobre os dois fossos de luz, separados pela circulação semi-pública vertical onde estão locados o elevador e a escadaria de acesso aos andares de vivendas. 
          Na extrema esquerda aparece o terraço dos fundos que pertence ao apartamento principal da família proprietária. Nesse andar alguns dos elementos internos aparecem mais detalhados (como as portas internas e a lareira) e abaixo desse andar fica a área das lojas que marca o nível da rua. No embasamento temos o porão alto. A grande escada que aparece não é a que serve ao apartamento dos Batlló (das fotografias do início do post) e sim a que dá acesso às demais unidades autônomas. 

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