terça-feira, 11 de setembro de 2012

Walt Disney Concert Hall - Los Angeles

Walt Disney Concert Hall na cidade de Los Angeles, Califórnia.


               Tudo teve início com uma polpuda doação de cerca de 50 milhões de dólares, por parte da Sra. Lillian Bounds Disney, destinados para construção de uma casa de espetáculos em tributo ao seu falecido marido Walt Disney. Os valores gastos certamente extrapolaram as cifras doadas pela viúva do famoso criador do ratinho Mickey, chegando segundo certas fontes a 240 milhões de dólares. Esse dinheiro, necessário para integralizar o total gasto, foi levantado pela família que buscou outras muitas doações.  
               O passo seguinte foi contratar, no ano de 1988, o já renomado arquiteto canadense Frank Gehry para elaborar o projeto que teria o início das obras em 1992, levando cerca de 11 anos para ser concluído. Demorou muito para os padrões norte-americanos, mas em 2003 a cidade ganhou, após 16 anos do lançamento de sua pedra fundamental, uma sala de concertos de ponta, tanto no que toca à tecnologia quanto ao seu desenho. 


               Lar da Filarmônica de Los Angeles, situa-se isolado em um enorme quarteirão no topo do célebre Bunker Hill, roubando por completo a atenção nesta área nobre do centro da cidade. O terreno em que está implantado possui um enorme afastamento dos outros quarteirões e propicia ao prédio um tremendo destaque e abertas perspectivas, bem como muita luz natural. 

               Sua implantação foi praticamente livre da ação de seus vizinhos, que de tão distantes nem fazem sombra sobre todas as superfícies metálicas da complexa volumetria. Seus recuos respeitaram somente a forma desejada pelo autor que descartou a presença de elementos naturais de impacto como, espelhos d'água, fontes, vegetação de pequeno, médio ou alto porte e etc... 

               Ainda que existam vários acessos ao seu interior (com as mais diversas funções), tem sua entrada principal no cruzamento da First Street com a Grand Avenue, bem próximo ao Dorothy Chandler Pavilion e um pouco antes da "alaranjada" Catedral da cidade (executada completamente com tijolos aparentes em um estilo modernista com claras influências do brutalismo). Essa entrada é vista com destaque na foto acima (retirada da web).
               O edifício se retorce e curva suas paredes em direção ao grande pano de vidro após vencer a escadaria que parte da esquina. A visão aérea é mais clara e passa a noção certa do que pretende o partido adotado, contudo, para quem está na esquina e mais próximo do grande volume a coisa é bem diferente. É certamente um prédio para ser visto de longe.


Vistas da entrada principal.


               As portas ficam camufladas na parede que dobra e muda de direção, formando o côncavo que abraça e recepciona quem alcança o patamar. A inexistência de uma marquise causa desconforto em virtude do enorme calor da região. Tá certo: é um prédio para ser utilizado a noite... (risos)


               A não muito alta escadaria que dá acesso à entrada do auditório (longe das bilheterias que fica no plano inferior junto à calçada), com as inconfundíveis paredes metálicas se jogando por cima da pele de vidro. É na base dessa, alta e irregular, parede vítrea que estão localizadas as portas de acesso ao público para os eventos que a casa promove. A escada se abre para a esquina e forma um largo no encontro das calçadas. É nessa área, ao lado dos degraus, que encontramos gravado nas paredes o nome do edifício. Bingo! Essa é a entrada! Do alto (de algum prédio das redondezas) fica fácil perceber que a somatória do largo da esquina com a escada, com o átrio superior, com o nome da instituição mais a parede de vidro quase triangular marcam o acesso principal. Mas para quem anda ao redor do prédio e junto à calçada, essa informação fica restrita às placas indicativas e ao nome gravado nas paredes. Pobre relação formal e pouca diferenciação arquitetônica para marcar e indicar onde é de fato lugar de maior importância do prédio.
               Junto à parede a pequena área sombreada que propicia relativa proteção ao sol inclemente. 


Algumas placas amassadinhas!


               Na foto acima aparece a área das bilheterias e o acesso secundário para o foyer e para e loja de souvenires. Uma das poucas partes em que a estrutura oferece sombra e proteção ao pedestre ou a quem busca tíquetes. Os sombreiros amarelos são testemunhas do problema.

               A despeito de um ou outro problema de ordem ambiental, não há como negar que existe um arrojo, uma coragem e uma ousadia perturbadoras. É muito diferente do que produzem outros arquitetos. As linhas realmente são únicas. E a unicidade parece ser seu maior trunfo. Em outros locais poderia assumir um efeito devastador de contribuir para o caos urbano, pois não marca nenhum eixo, não evidencia nenhuma perspectiva e não ordena o tecido urbano, mas aqui nessa cidade onde as ruas são enormes e muito largas, ladeadas por edifícios muito tradicionais que repetem as mesmas receitas e caem na mesmice, esse prédio salta aos olhos e propõe algo irrequieto e diferente. Em suma: é único. 

               Abaixo aparece a escada que leva à estrada para o salão de apresentações. O rasgo de vidro entre as paredes do alto ajudam na orientação ao acesso. Essa escada me parece acanhada frente ao pesadíssimo volume do prédio. Esse é um mal norte-americano: não sabem a medida certa de suas escadas monumentais! Ou são exageradamente grandes ou irritantemente pequenas! Quando não, completamente inexistentes. A transição do público para o privado é no meu entender o maior problema formal da grande maioria dos prédios públicos nos Estados Unidos da América. Aqui o problema se repete.


               Único sim e sem sombra de dúvidas com vida própria e independente, sem a menor vontade de interagir com a cidade. Esse é um problema da corrente estética deconstrutivista, a qual pertence, pois dele não se espera vínculos culturais com o sítio e a sociedade do local. Não percebo nenhuma fonte ou elo com a urbes ou com a história, apenas vejo e reconheço o seu autor. Seria muito interessante se essa experiência e proposta estética fosse exclusividade de uma única cidade, pois dessa forma estaria propondo uma nova direção, uma mudança de paradigma, um novo viés para um grupo específico. E por consequência uma nova visão ao mundo. Mas não é o que acontece: é idêntico a várias outras obras espalhadas pelo mundo entre as décadas de 80 e 90 pelo mesmo autor. É tal e qual o Museu Guggenhein, da cidade de Bilbao, na Espanha. Por isso perdeu a força, perdeu a graça. Imagine se Gaudí tivesse espalhado pela Europa um monte de Sagradas Famílias? Poderia ser interessante para alguns, mas seria ruim para a original e para Barcelona que tem a cara de seu mais famoso templo. E a força da igreja está nisso: ser única e fazer parte da história além de ser reconhecida universalmente. Não quero desconstruir o valor estético e arquitetônico do monumento (apesar de realmente não gostar do prédio), mas sou um pouco reticente a tanta presunção.  


               No volume quadrado (perdido no conjunto!), em tonalidade clara e com acabamento fosco, aparece o arranque da altíssima escadaria (uma penúria subir todos seus degraus!) que leva ao jardim do prédio (possível ver parte da copa de uma das árvores do local). Nada orienta o pedestre para esse espaço, nem mesmo informa que no topo da escada existe um oásis no meio de uma área tão quente e inóspita do centro da cidade.
             Dentro desse volume quadrado que marca a esquina, encontram-se abrigadas certas funções de serviço e da administração do WDCH. No tocante à composição, posso afirmar que mais parece um aumento dos muros e arrimos do que parte importante do prédio. Poderia contrapor as formas orgânicas e o efeito reflexivo das confusas elevações, mas funciona apenas como moldura e fundo para as pretensiosas linhas. Não existe nenhuma integração entre ambas as partes, o que para mim, constitui-se em um dos tantos pontos fracos do projeto.


               As formas isoladas encantam, mas o todo amarrotado do prédio a mim incomoda um pouco. Em certos momentos parece que a preocupação central é mostrar o quão caro o prédio pode ser. E realmente não parece em nada ser uma arquitetura barata.
             Em nenhum momento, quando paramos por exemplo, na frente de um prédio de Brasília, passamos a pensar o quanto de dinheiro fôra preciso para construir aqueles palácios ou até mesmo aquela cidade. O mesmo ocorre com o enorme vão livre do paulistano MASP ou com as maravilhosas colunas de concreto do MAM carioca; isso porque as linhas criativas surgidas  no meio do cerrado brasileiro, no aterro do Flamengo e na maior avenida de São Paulo, são tão suaves que seus prédios se libertam da alcunha pecuniária. A corajosa arquitetura inovadora e o cálculo estrutural complexo e competente dos nossos profissionais, dissolveram-se frente ao estupendo resultado final. Isso, infelizmente não acontece aqui.   



               Efeitos e mais efeitos, quase cenográficos! As paredes curvas, ora côncavas, ora convexas, fornecem impressionantes visões. A luz solar potencializa tais efeitos.
               Como em Los Angeles as chuvas são raras e a cidade é muito aberta (a poluição do ar dissipa com mais facilidade), os prédios sujam muito menos que em outros locais e as fachadas sofrem bem menos com as intempéries. Isso propicia uma manutenção menos intensa e uma duração mais prolongada. Nesse contexto as placas de metal são perfeitas e o efeito espelhado uma constante.


               No jardim do terraço (aquele que tem acesso pela grande escadaria do volume de serviços) a fonte d'água em forma de flor, totalmente revestida com fragmentos cerâmicos, é belíssima e lembra imediatamente o mestre Gaudí (o da Sagrada Família). Esse jardim, localizado em um patamar protegido da rua, circula um terço de todo o prédio e possui árvores de médio porte além de um pequeno anfiteatro. A existência do jardim era um dos vários quesitos do memorial de intenções para o projeto. Esse jardim ainda que tenha sido exigência, parece que foi mal recebido pelo partido arquitetônico que o esconde completamente da cidade! E praticamente não aparece no projeto! Incrível! A vontade era mesmo de esconder qualquer elemento que pudesse atrapalhar o efeito "monobloco" de metal. 


               Essa escultura que lembra uma flor de Lotus, como comentado anteriormente, é totalmente revestida com cacos de fainça procedentes da cidade holandesa de Delft. A cidade européia é famosa a mais de três séculos por produzir peças a partir dessa massa de coloração branca que recebe pintura e posterior vitrificação com desenhos em nuances de azul. A técnica tem clara influência oriental, ainda que tenham como tema de suas estampas as paisagens e tradições holandesas. Mesmo que sejam muito fáceis de serem reconhecidas, aqui nessa obra não restam dúvidas de sua origem já que em diversos cacos é possível ler em parte ou no todo o nome da cidade de onde vieram.


                    A Rose for Lilly foi desenhada pelo próprio Frank Gehry em homenagem à Senhora Disney. A maior benfeitora da casa de concertos tinha enorme admiração pelas peças fabricadas na Holanda e verdadeira paixão por suas cores. Por esse motivo a Lillian Disney Memorial Fontain foi recapada com um mosaico que consumiu mais de oito mil peças, entre vasos e telhas. Esse número não é oficial, mas o que importa é que o resultado plástico obtido foi muito bom.




               Em determinados momentos as linhas brotam do nada ou param abruptamente. A composição fica truncada, um pouco atrapalhada, sem ritmo ou relações. É o estilo, mas poderia ser mais harmônico e agradável à visão. Os olhos acompanham os eixos e param no nada. No final nada acontece. Portas ficam perdidas, ambientes ficam mal resolvidos e espaços residuais abundam. Janelas importantes iluminam espaços não tão importantes assim. É uma desordem. Tanta tecnologia e o uso indiscriminado das técnicas de computação gráfica não são capazes de superar o romantismo e a estética mais humana das antigas pranchetas.


Internamente o prédio se comporta exatamente como no lado de fora. Não existem surpresas...

               Na minha opinião ele piora por dentro. Enquanto por fora, ainda que todas as suas voluptuosas paredes acinzentadas se retorçam para todos os lados, o prédio cria uma unidade formal, por dentro isso não acontece. É clara e irritante a falta de ritmo e correlações; não estão presentes nenhuma conexão ou inter-relação de planos e formas...
              Ainda bem que as salas de audição e apresentação ficaram livres desse problema! Inseridas em espaços regulares são perfeitas e eficientes.


               A volúpia das formas não se repete nos acabamentos. O teatro inteiro por dentro obedece a uma limitada cartela de materiais e a uma pequena palheta de cores. Nas paredes, grandes superfícies brancas se alternam com outras inteiramente cobertas por um único tipo de madeira. Aparecem ainda algumas divisórias e painéis de aço, tal qual o exterior. Nos pisos a forração de carpete prevalece, substituída em determinados espaços por outros frios ou de madeira, compatíveis com as funções dos respectivos ambientes. Painéis de vidro incolor montados em esquadrias metálicas e tetos combinando com as paredes complementam toda a ambientação.  


               Praticamente nenhuma obra de arte é exposta nos interiores do prédio. Nada de decoração faz apologia à música ou a qualquer tipo de manifestação cultural. A cidade em momento algum é reverenciada e não existem referências a nenhum artista ou personalidade histórica. É um edifício voltado para si. Talvez seja uma tendência contemporânea manter o prédio livre de vínculos culturais voltado para o presente e futuro. Sinto falta de um elo histórico ou mesmo de alguma conexão com o mundo das artes.


               Não é possível ficar imune ao prédio. Como sempre disse nosso Oscar Niemeyer, a arquitetura de um edifício não tem, necessariamente, que agradar, que ser bonita. Parafraseando o mestre: Tem que ser diferente! Tem que propor algo novo e único, reiterava o saudoso carioca. Nisso as formas distorcidas e deslocadas desse desconstrutivismo pós-moderno são perfeitas. Eu particularmente discordo. Mesmo que entenda e até certo ponto aprecie, ainda não gosto desse estilo e prefiro as formas que além de inovadoras são essencialmente belas. Mas que fique claro que o gosto de cada um está conectado com sua história de vida e seu repertório e que o belo nada mais é que um conceito abstrato. 


               A sala de espetáculos é definitivamente a cereja do bolo. Muito, mas muito bonita mesmo, é considerada uma das melhores do hemisfério norte em sua categoria. A luz natural é realmente adequada, as cores são suaves e a forma de arena parece ser a melhor para apresentações de orquestras. A boa visibilidade é garantida a todos os assentos e a reverberação (reflexão múltipla da mesma frequência) é quase perfeita. E o melhor é que, mesmo que todo o recinto seja um arrojo de tecnologia e estilo, o palco tem o destaque que merece. 


                O enorme órgão com tubos curvos de madeira, doado pelo braço norte-americano da empresa Toyota Motors, foi desenhado pelo canadense Gehry em parceria com o desenhista de som Manuel Rosales e executado na Alemanha. Não há como não gostar desse ambiente. Calmo, convidativo, acolhedor, muito confortável e bastante discreto, parece que não pertence ao prédio em que está abrigado. Definitivamente não combina com o resto! Em suma: não existe relação alguma entre o interior desse espaço e o metalizado corpo exterior.



               Na foto acima o que mais gosto em edifícios públicos: a sobreposição de planos abertos para vãos de altíssimo pé-direito e a visão dos diversos níveis em efeito cascata. Ainda que esse recurso está presente aqui, lastimo que apareça de forma tão rude, com as linhas se esbarrando e competindo entre si, em vez de formarem um conjunto onde cada qual pudesse existir de forma independente, mas que juntas formassem um conjunto agradável aos olhos. A mim é um prédio muito cansativo! Sei que alegra as novas gerações de arquitetos e representa a negação do belo pré-estabelecido pela academia clássica e coisa etal... Blá, blá, blá, blá... mas não gosto! 



               Acima uma pontinha da arquibancada externa, limitada pela parede orgânica da fachada que cai sobre rua. A parede que se inclina em suave ângulo cria um inusitado portal para o espaço aberto da arena. A linha sinuosa da parede descendente faz um "gordo" na área dos assentos e depois se estreita para ajudar na  composição do "portal". 


               Acima e abaixo dois ângulos da mesma grande calha. Detalhe interessante de como as placas são fixadas umas sobre as outras como se fossem escamas. 




               Um dos inconvenientes do revestimento de chapas metálicas: realmente aquece muito e pode mesmo causar queimaduras. Outro é a enorme reflexão solar que pode causar um grande incômodo aos vizinhos. O edifício brilha muito e logo que foi inaugurado teve que sofrer umas modificações em algumas de suas paredes externas, pois causou superaquecimento nas propriedades circunvizinhas.


               A certa altura, com o causticante calor de Los Angeles a sensação é de que se está dentro de um panelão de aço-inox! O ambiente externo é bastante inóspito e nada convidativo para uma parada muito prolongada. A arquitetura força a circulação e evita a concentração de pessoas ao longo das calçadas e próximo às paredes do prédio. Se a intenção realmente foi essa, de evitar o acúmulo de gente perto do prédio, posso testemunhar que foi conseguida com êxito! Nada de árvores (exceto no jardim suspenso), poucas áreas de sombras, nenhuma marquise protegendo do sol. A salvação vem imediatamente quando é alcançado o interior climatizado artificialmente. É um verdadeiro alívio para os sentidos. 


O WDCH foge totalmente às linhas do restante dos prédios de downtown. Seu maior valor!




              Uma visão que agrada a poucos: a estrutura fica a mostra em áreas que a princípio não foram concebidas para o acesso público. Como a visitação é permitida em todos os espaços que oferecem segurança, estas áreas de "coxia" se revelam  e mostram a quem circula livremente por todos os cantos como pode ser interessante seu sistema construtivo. O esqueleto metálico das curvas paredes externas recebe a pele metálica somente em um dos lados, permitindo que o jogo de vigas e pilares de aço possa ser contemplado. Para pessoas da área de engenharia e arquitetura é um verdadeiro deleite, principalmente quando o avesso xadrez metálico encontra o direito liso e polido. Para leigos isso pode parecer estranho e até sugerir falta de acabamento. Penso que para este edifício que abriga um teatro este efeito é bastante apropriado e dá ainda mais charme ao todo.



Pena que os panos de vidros não se curvam como as paredes metalizadas.


 

               O azul espelhado e a luminosidade refletida. O jogo de luz e sombra é intenso e o prédio assume diferentes cores durante todo o dia: prata e azul durante o domínio solar e bronze e dourado no pôr do sol. A noite os efeitos de iluminação sofisticam a obra arquitetônica.



2 comentários:

  1. Excelente descrição, parabéns. Me ajudou bastante na elaboração de um trabalho sobre essa obra. Obrigado.

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