quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Edifício do Parlamento de Malta

PARLAMENTO DE MALTA 



                      Situado entre o sul da Itália (apenas a noventa e três quilômetros da Sicília) e o norte do litoral africano da Tunísia, esse pequeno país europeu ocupa um arquipélago de somente três ilhas no centro de umas das mais movimentadas rotas marítimas da história.

                Essa localização estratégica foi a razão pela qual seu território foi alvo  de inúmeras invasões. Essa troca sucessiva de domínios (dos mais variados grupos étnicos que por ali passaram e deixaram suas marcas), fez com que o arquipélago se tornasse nos dias de hoje um verdadeiro testemunho histórico que contempla todas as eras desde os primórdios da idade da pedra.

                   Com uma riquíssima uma história inversamente proporcional ao tamanho do seu território, é lar de um povo muito gentil e orgulhoso do legado que guarda.

               Para comemorar o fato de ter sido Valletta, intitulada a Capital da Cultura Européia no ano de 2018, que Malta investiu na limpeza, restauração e modernização dos seus limites históricos intramuros. A reboque disso a administração local refez o acesso principal do casco histórico peninsular, criando uma entrada triunfal com fonte, pontilhão e portão em um dos mais belos conjuntos arquitetônicos e urbanísticos da atualidade. É nesse contexto que foi também edificada a nova casa do Parlamento Maltês, ganhando destaque como a principal dentre todas as renovações sofridas.

             


          
                Conhecer Malta já era um velho desejo, muito em razão de sua incomparável história e muito mais pela beleza barroca de sua principal cidade.
                     A construção desse edifício moderníssimo só deu mais sabor à visita nessa cidade. É muito bom ser testemunha de uma intervenção moderna de sucesso, principalmente em um local tão importante como o centro histórico de Valletta.


                      Famoso no meio arquitetônico, esse original prédio já deu o que falar! Seu arquiteto tem obras espalhadas por diversos países, mas é nessa obra que em minha opinião ele chegou mais perto do ideal. Foi muito feliz, tanto na forma como na relação estabelecida entre o objeto edificado e seu entorno. 



            Construído entre os anos de 2011 e 2015, é a primeira casa edificada especialmente para esse fim. O Parlamento deixou o antigo arsenal do Palácio dos Grão-Mestres onde estava instalado e foi transferido para esse edifício moderníssimo que foi entregue à cidade de Valletta e ao povo de Malta junto com uma reforma significativa  da área ao seu redor. O entorno reformado abrange, parte do calçadão da rua da República, as ruínas da ópera destruída durante a segunda grande guerra e os portões da muralha medieval. Essa grande reforma foi projetada pelo arquiteto Renzo Piano.



Infelizmente não foi possível sua visitação interna! Ficou para próxima!
            

                     Depois de muita polêmica em torno dessa construção, parece que a sociedade  maltesa aceitou e acabou gostando do resultado final. Na verdade o grande medo da maioria da população, de que não fosse ficar integrado e harmônico com o valiosíssimo patrimônio histórico e artístico de sua arquitetura secular, não se confirmou. Levantado com a tradicional rocha sedimentar local e sem grandes volumes brotando do corpo principal, o desenho da arquitetura ficou bem inserida no tecido e no panorama urbano da cidade antiga. Eu particularmente gostei muito do resultado que na minha opinião deu um sopro de modernidade e leveza para o cenário.  


                 Levantado no terreno de uma antiga estação ferroviária, destruída por um bombardeio durante a segunda grande guerra mundial e que desde então servira como área de estacionamento para pequenos veículos, o projeto do arquiteto italiano provocou reações até mesmo da UNESCO, que em virtude dessa moderna intervenção, punha em dúvida a manutenção do casco histórico de Valletta no roll dos patrimônios da humanidade. A própria crítica mundial de arquitetura viu-se polarizada, incluindo o projeto tanto nas listas dos melhores como dos piores edifícios modernos da atualidade.



                   Alternando superfícies lisas com outras porosas, suas fachadas brincam muito com o jogo de luzes durante todo o dia. O grande volume da esquina principal, bem como a elevação frontal, servem de tela de fundo para as sombras produzidas pela luz do poente. Nessas fotografias, a projeção da sombra de parte da muralha, na altura do seu grande portão. Esse portão renovado abre a cidade para o refeito pontilhão de acesso sobre o grande fosso e ostenta um altíssimo mastro que também aparece na sombra. 


                    O projeto pressupunha a reorganização total da entrada principal de La Valletta, incluindo a alteradíssima ponte sobre o fosso e a ampla região externa colada aos muros. O prédio em si parte da composição de dois blocos que dialogam entre si e se mantém conectados por meio de passarelas abertas. A entrada, completamente envidraçada, fica no mesmo nível do calçadão sem nenhum tipo de barreira horizontal, deixando assim o acesso bastante fluído. Nesse piso térreo o interior se funde ao exterior e o recuo oferece uma proteção ao pedestre do inclemente sol da região. 


                  Nessa perspectiva o compacto e completamente vedado volume que marca a esquina, faz clara referência à muralha ao seu lado e proporciona a sensação de que o prédio dela faz parte. Bastante lindo tem até uma leve inclinação tal qual um muro de defesa e contenção. O resto que se vê do prédio, tem o amplo recuo do piso térreo, que é abraçado pelo calçadão à sua volta e oferece sombra e abrigo ao transeunte.
                 .

                   Uma das características mais notáveis do edifício são suas linhas retas e puras que respondem por inúmeras arestas e ângulos marcantes. Concebido como dois blocos que se unem por meio de passarelas metálicas propiciam áreas abrigadas e protegidas pelos volumes rendilhados que ampliam os espaços públicos, integrando-o de forma muito particular à rua e seus arredores.
                Ainda que ostente enormes paredes de pedra calcária, muito vedadas e sem nenhum jogo de volumes o edifício não pesa na paisagem. Seu trabalho rendilhado se comporta como uma grande treliça extraindo desse recurso arquitetônico a proteção de seu interior das vistas externas e assim mantendo a discrição que a instituição demanda. 




O preciosismo no complexo trabalho de talha.


 Algo raro: 
 pedra lindamente trabalhada como em poucos edifícios modernos.


               Numa das fachadas voltada para os fundos (bem mais permeável) as janelas já não se comportam como vãos por trás de uma grelha e os detalhes de pedra esculpida servem mais como um brise soleil do que como uma capa de proteção visual. Esse recurso de brise não é mero acaso, pois o projeto previa sim o bloqueio parcial dos efeitos do sol que nos meses de verão castiga a cidade.


As janelas das paredes da circulação interna também não são tão vedadas.


               Sua estrutura metálica fica a mostra em suas cobertura, em suas passarelas e no vasto vão do primeiro andar em pilotis. 
                 

Ao fundo a rua principal: o ângulo afunilado serve na verdade para formar um portal entre os dois volumes do prédio, com acentuada hierarquia. Notável a relação estabelecida pelos dois blocos de pedra sobre pilotis de aço.


O contraste que a escultura negra faz contra a parede de pedra é lindo.
Novamente o metal liso e escuro em campo rugoso e claro.


Lindas as passarelas que cruzam o ar.
Passadiços muito modernos.


                Outra função atribuída à porosidade artificial das paredes dessas fachadas é a refrigeração promovida pelo corte dos ventos que nelas batem, o que ajuda a equilibrar a temperatura interna, evitando o uso demasiado de climatização artificial no verão. Muito interessante e inteligente se caso for verdade... O edifício é considerado por essa e outras razões, um representante da "arquitetura verde". Outro exemplo bastante significativo dessa corrente arquitetônica, são seus quase seiscentos metros quadrados de cobertura com painéis fotovoltaicos que respondem por cerca de oitenta por cento da energia consumida em seus interiores nos meses de inverno.



Os dois blocos no ângulo em que mais se aproximam...



              Em minha opinião esse trabalho em relevos nas paredes de calcário (extraído da ilha de Gozo e manufaturados na Itália) são belíssimos! Mas há quem compare com um ralador de queijos, com um radiador ou com um pombal. 


                   O tradicional uso da pedra nos edifícios da cidade tem muito a ver com suas fartas reservas de calcário, mas reside também no fato de ser esse material muito eficiente em evitar uma grande troca de calor com o meio. 




O andar térreo onde a estrutura metálica fica a mostra num recuo em relação ao passeio público.  


Lindos ângulos!
Lindos contrastes entre materiais rugosos e polidos.



                    Na vista acima, percebe-se como o pátio central, que serve de entrada principal ao prédio, se comporta com o cair da noite, tirando partido da cenografia fornecida pelo projeto luminotécnico. Esse efeito da iluminação artificial enaltece as virtudes do desenho propiciando uma atmosfera lúdica e sensorial. Ao fundo uma vista das paredes de um antigo edifício também executado com pedras: a original e anciã fase da sede dos Cavaleiros de Malta  representada pelas sólidas paredes de peças com acabamento rústico frente à nova e tecnológica etapa da cidade, agora marcada pela mesma pedra com tratamento liso e escultórico e desenho de vanguarda. É a arquitetura ajudando a escrever a história.

Uma última olhada no caminho de volta: uma janela iluminada por trás das rendadas paredes.


                Acima uma perspectiva do lado de dentro das muralhas com o portão da cidade ao fundo. 
Além da beleza plástica do conjunto arquitetônico, o resultado urbanístico e a limpeza do local também impressionam. O rico projeto luminotécnico faz com que o que era lindo durante o dia fique maravilhoso durante a noite. 

Do lado de fora das muralhas foi instalada essa maravilhosa fonte.
(a mesma fonte mostrada na primeira foto desse post)
Lindo modo de recepcionar e se despedir de quem está a passeio. 


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