quarta-feira, 18 de julho de 2012

Aldravas de Cartagena

               Cartagena Das Índias, na costa caribenha da Colômbia, guarda inúmeros segredos que aos poucos se revelam aos sortudos que passeiam por suas ruas coloniais. Um desses seus encantos e logo um dos primeiros a serem revelados é o conjunto de aldravas exibido por todos os lados, nas portas principais de edifícios públicos ou particulares.
               Ao percorrer suas estreitas ruas em suas também estreitas calçadas o observador é brindado com uma enorme quantidade desses objetos muito fáceis de serem notados. Sempre exibidos com orgulho nas inúmeras portas que se sucedem, criam um desejo inevitável de procura por uma ainda mais bela ou totalmente diferente. E assim acontece: ficamos presos ao desejo de encontrar uma que ainda não foi fotografada.


               Surgidas na Idade Média, essas charmosas peças metálicas são fixadas nas portas de entrada para serem usadas como batedor. Usualmente executadas em ferro fundido, podem também aparecer em latão ou bronze. Muito úteis, potencializam o som quando batidas na pequena peça metálica em contato direto com a porta. Em vez de bater diretamente sobre a madeira, a pessoa chama o morador por meio da aldrava. Este costume foi trazido da Europa pelos colonizadores espanhóis.


               A variedade de temas e estilos é imensa e mesmo que se repitam nas diversas portas da cidade, sempre formam um conjunto diferente, já que é muito difícil as portas serem iguais. Muito coloridas as aberturas podem ostentar desde a cor natural da madeira até cores vibrantes e bem acesas. Portas azuis, amarelas, alaranjadas, violetas, verdes e vermelhas pipocam por toda a cidade que tem como uma das características arquitetônicas as variadas cores aplicadas tanto em suas paredes como em seus elementos de madeira.


               Cartagena das Índias, no litoral colombiano é uma cidade deliciosa e muito acolhedora. Exala romantismo em todas as esquinas da sua porção antiga e amuralhada. Essas aldravas existem por todos os lados e acentuam o ar nostálgico dos bairros coloniais cercados pela alta muralha espanhola. Ninguém passa imune ao seu charme e o conjunto não passa despercebido aos atentos olhares dos que passeiam por suas floridas e muito coloridas calles. 



               Ainda que tenham um ar de antiguidade, estas peças são na sua maioria contemporâneas. Quase todas as aldravas (ou aldrabas, como dizem os de língua espanhola cuja versão também é aceita pelo português) das portas de Cartagena não são mais as originais. Mas isso pouco importa! Pelo fato de imprimirem à porta principal da moradia um ar mais cerimonial, carregado de tradição e história, podem passar a ideia de serem muito caras. De fato não. Podem ser encontradas tanto em antiquários, cheios de autênticas peças do passado espanhol, como em qualquer loja de ferragens com as versões mais modernas e baratas. Desse modo, estão presentes em todas as ruas, fazendo as vezes de campainhas em casas modernas, antigas, restauradas ou em processo de modernização.



               Podem aparecer nos mais diversos acabamentos: polidas ou foscas, douradas ou ferrosas. Podem apresentar sintomas do tempo e dos maus cuidados assim como podem ser muito bem conservadas e limpas. Tem de todos os modos e para todos os gostos. E isso é que dá toda a graça a coisa. É muito prazeroso andar pelas ruas estreitas dos bairros antigos a procura de uma inédita ou diferente aldrava. Como as casas dessa porção, de traçado antigo, não possuem afastamento entre si e nem mesmo recuo da rua, os pedestres andam muito próximos às portas e janelas e a sucessão de aberturas junto ao passeio é interminável. 



Acima um peixe voador.
Abaixo um pequeno lagarto.



               As próprias aldravas podem ter sido sim no passado um símbolo de status e poder, afinal eram peças forjadas. Mas, o que media mesmo a importância do morador por trás da porta de sua casa era a quantidade das peças metálicas que parecem botões ou rosetas aplicadas na face externa da porta. Quanto mais  melhor. Na fotografia acima os botões aparecem ladeando a figura de peixe que tem a aldrava em sua boca. Esse peixe tem desenho bem europeu e reproduz aquelas imagens muito comuns nas fontes e elementos decorativos de interiores.


                 Bem delgada e dourada a aldrava mostrada acima é muito diferente da maioria. A figura do peixe  não caracteriza nenhuma novidade. O que é interessante é que a peça move-se inteira. Não há nessa, uma divisão clara entre suporte e batedor. Sem argolas ou elementos pendurados, o peixe articula preso pela barriga e bate sobre um bola colada à sua boca. Onde a mão toca o dourado fica mais polido e aparente.


               Essa acima me parece uma cabeça do deus grego dos mares Poseidon (Netuno, para os romanos). Note a presença do tridente com o qual manipulava e manifestava seus poderes. Nada mais simbólico para uma cidade costeira e nada mais interessante do que provocar o som através do próprio tridente em clara referência ao poder do deus que empunha o objeto.


Mais um lagartinho.


Peixes.


               Adorei a aldrava anterior com ares de deus pré-colombiano. Essa figura me passa um ar bem indígena com sua cabeleira em caracóis ou qualquer coisa assim. Das que encontrei era a mais "colombiana" de todas. Pena que a parte inferior apresenta medalhão e arabescos que destoam do estilo da cabeça com suas belíssimas nervuras. Abaixo um dos muitos lagartos. Este em especial segura um batedor que apresenta um concha. Símbolo de Santiago de Compostela invadiu o mundo colonial espanhol que absorveu com muita facilidade por se tratar de um elemento marinho. Legal a fusão do animal dos trópicos com a concha européia.   


"o sorriso do lagarto"


               A aldrava da foto acima é bem moderninha, apesar de ostentar um desenho bastante clássico e comportado. Um gosto mais anglo-saxão que os demais. Prefiro as com figuras humanas, animais ou mitológicas.


               Há quem diga que as peças com caras feias e assustadoras são propositadamente escolhidas para afastar os maus espíritos e maus-olhados. Não seria o primeiro lugar no mundo a levar este aspecto em consideração. 


               A sereia não poderia faltar! A imagem da personificação feminina aparece muito pouco, restrita apenas à personagem fabulosa que povoa o imaginário marinho. Flores também são muito poucas; folhas, frutos, astros... nada disso! A preferência recai sobre os animais, como cabeças de cavalo, muitos peixes, leões, monstros animalescos, canídeos, pequenos répteis como lagartos e iguanas.


Novamente a presença da concha.


Mais uma cabeça de fera.


               As aldravas que retratam lagartos são as mais frequentes, seguidas de perto pelas que exibem peixes. Ainda que em maior número aquelas no formato dos pequenos répteis apresentam maior variedade, tanto nos moldes como nos acabamentos. Os peixes são todos muito parecidos.


As mãos são poucas, e sempre muito mais discretas que as outras.



Essa muito bonita mescla a figura de um animal com figuras humanas no batente.



quinta-feira, 12 de julho de 2012

San Francisco Plantation

             

             Esta opulenta casa de fazenda do sul dos Estados Unidos da América é um dos melhores representantes da arquitetura da segunda metade do século dezenove em sua região. Considerada um clássico do estilo sulista, foi tombada pelo patrimônio histórico e artístico de seu país e classificada como sendo um importante representante das casas históricas norte-americanas.
              Situada às margens do Rio Mississippi, nos arredores da cidade de Nova Orleans, é passeio obrigatório para aqueles que estudam história ou arquitetura e uma boa opção para entender melhor como viviam os aristocratas latifundiários da era escravagista na America do Norte.
                   Construída por um rico senhor de engenho em 1854, portanto sete anos antes da eclosão da guerra civil americana que durou de 1861 até 1865, a casa é uma fusão de vários estilos e influências que resultou em uma mescla agradável aos olhos e que hoje desfruta, junto com outras sedes de fazendas, de renome mundial. 




                Lançada sua base muito próxima da margem do rio, foi erguida tendo sua fachada principal, com a grande varanda e porta principal, voltada para o importante curso d'água. Na época todos chegavam e saiam da fazenda pelo rio, que era a única via existente. Tudo era transportado fluvialmente desde mercadorias e suprimentos até pessoas e animais. Na época de sua construção a fazenda dominava grandes extensões de terras e não  existiam muitas estradas.  
                 Com estilo claramente Vitoriano, é representante de sua variação conhecida como Estilo Stick, ou ainda Italianate muito comum nos distritos históricos da capital da Luisiania. Este estilo também muito frequente na cidade de São Francisco traz também a denominação de "Painted Ladies", por serem, as fachadas das casas, pintadas com três ou mais cores que embelezam ou melhoram os seus detalhes arquitetônicos e seus muitos ornamentos. O estilo Vitoriano Italianate foi uma fase distinta do século 19 na história da arquitetura de linhas clássicas, impulsionado pelo revival do estilo renascentista, reinterpretado na América e reeditado em madeira. Este estilo historicista foi o preferido entre as classes dominantes sedentas de cultura e tradição em uma época de fartura e abundância.





De todas as grandes casas sede das antigas fazendas da região do estuário do Mississippi, esta pode não ser a maior nem mesmo a mais impressionante, contudo é a mais decorada e cheia de detalhes. É rica em acabamentos e filigranas e não poupa originalidade. Erguida entre 1849 e 1850, guarda ares da arquitetura colonial francesa que domina a área conhecida como french quarter, no centro histórico de New Orleans. Por fora parece um grande e confeitado bolo, mas os moradores locais preferem compará-la a uma embarcação parada na margem do grande e famosos rio. 
A casa retrata tanto em seu exterior como no esplendor de seus aposentos um momento histórico em que New Orleans era a quarta maior cidade do país, muito rica e cosmopolita. Situada em um ponto estratégico e sede de um dos mais importantes portos da América do Norte.  Seu interior, mescla vários estilos e é recheado com tudo o que de mais caro poderia entrar pelas vias comerciais das docas da cidade. Lustres de cristal, sedas, adamascados, bronzes e porcelanas dão acabamento a ambientes cujos tetos, paredes e portas exibem pinturas e relevos de grande valor artístico. Lareiras com frontões em pedra sustentam grandes espelhos que vencem o alto pé-direito da casa.




               Em primeiro plano, na fotografia anterior, vemos a interessante estrutura da cisterna. Na verdade são duas, cada qual em uma das laterais da casa. Respeita e segue o jogo de cores do volume principal mas difere completamente em suas linhas e estilo. Cilíndricas e quase que totalmente vedadas estes reservatórios de água ganham uma cobertura com forte influência oriental. O interessante é que mesmo distante respeita os níveis bem demarcados dos pisos da casa. Seu, arranque pintado de cor de rosa e com a alvenaria de tijolos a mostra marca o primeiro andar da residência ao rés-do-chão; em seguida o revestimento de madeira pintado de azul marca o andar principal e por fim a cúpula coincide com a altura do telhado e suas frisas ventiladas. As cores seguem bem fieis aos acabamentos: cinza para o telhado, rosa para a alvenaria e azul para o madeirame.




               A escada de dois braços com patamar intermediário, liga o jardim ao piso principal e quase esconde o piso inferior. É uma peça de grande impacto visual e bastante importante para a composição do todo. Abaixo do seu vão mais alto e bem ao centro do conjunto a entrada foi fechada com um portão de treliças de madeira. Muitos elementos vazados foram utilizados nos fechamentos dos mais variados vãos: treliças, venezianas, gradis foram colocados por toda a casa permitindo uma ventilação cruzada permanente e eficaz. Todos estes detalhes são respostas ao clima quente e úmido predominante nessa região do Golfo do México.







               Sem o belo varandão que a casa ostenta voltado para o rio, a fachada de trás é bem diferente da frontal. Apesar de chapada é muito bonita e tira partido do jogo de cores e dos seus detalhes decorativos (cimalhas, frisos, balaustradas, venezianas, cachorros, beiral, etc...). Totalmente simétrica chama a atenção para o simples volume retangular. Suas janelas de duas folhas de veneziana denotam a importância e hierarquia dos ambientes internos, sendo maiores e mais vistosas no andar superior e principal.
                 A porta ao centro, ainda que voltada para os fundos, sinaliza que não se trata de uma entrada de serviços e sim de uma entrada social menos formal do que aquela que tem acesso pelo alpendre da frente. Sua bandeira arcada (única forma arredondada em todas as fachadas), que toca o friso intermediário entre os dois pavimentos principais, sugere que foi introduzida tardiamente como sinal de status e poder e econômico em uma época, talvez, em que a chegada à casa não se desse mais apenas pelo rio.  




               A visão que se tem hoje da varanda difere daquela que se tinha na época áurea da casa. O talude que se vê gramado em frente é artificial e foi feito para conter as cheias do rio, que ao longo dos anos foi sofrendo com o ininterrupto assoreamento de seu leito e consequente aumento do nível de suas águas. Entre o dique artificial e a casa, passa hoje em dia uma rodovia estadual. As belas colunas em madeira frisada com bases e capitéis pré-moldados de ferro fundido são um espetáculo à parte. Além de sustentarem o belo friso, fixam a bela balaustrada rendilhada também em ferro. Nota-se aqui o uso irrestrito de linhas retas ao invés das curvas.


               


           Essa casa diferencia-se das demais casas das plantations desenvolvidas nas margens do Rio Mississippi no Estado da Luisiania. As demais assumem um ar muito austero e ostentam portentosas colunatas caiadas totalmente de branco. Enquanto nas suas vizinhas a luz solar é refletida de forma monocromática aqui acontece uma explosão de cores enriquecida pelos efeitos e desenhos das sombras desenhadas pelas filigranas de ferro e madeira. Na foto acima o detalhe do fechamento do sótão em venezianas de madeira (atrás da balaustrada que dá acabamento à cobertura suportada pelas delgadas colunas) separadas por cachorros esculpidos que apoiam o friso decorado da base do telhado.

               A porta principal, rodeada por vitrais, também é decorada com um par de colunas e um almofadão em forma de losango deitado ladeado por um par de estrelas de cinco pontas. Outras estrelinhas enfeitam a linha média do guarda-corpo que funciona como platibanda. O conjunto pintado em cores de azul céu e rosa claro, entremeados por um branco pálido, agrada e cria uma visão memorável.




                O telhado simples de quatro águas é dotado de oito mansardas colocadas duas a duas em todos os quatro panos da cobertura. Além disso traz dispostas simetricamente duas altas chaminés retangulares pintadas com o rosa pálido e decoradas com frisos clássicos.
                A linha de cumeeira é trocada por uma plataforma protegida comumente chamada de caminhada de viúva, que funciona muito bem como um mirante sobre o rio. Esse terraço descoberto, muito comum nas casas de época Vitorianas, tem sua base adornada por pequenas janelas com caixilho em losangos, tal qual as janelas das águas-furtadas. Note as cantoneiras decoradas do telhado.




                Mais um ângulo do telhado que mostra a caminhada de viúva. O nome é muito peculiar e bastante sugestivo, o que ajuda na sua memorização. Novamente as linhas retas dominam o cenário e as sutis ondulações que existem nas portas duplas das janelas das mansardas, formando um leve arco de estilo Otomano, bem como nos arcos Góticos Flamejantes das vinte e quatro janelinhas que circundam o maciço retangular do topo, dialogam com a cobertura de influência oriental da cisterna.
                

              Depois de desfrutar a visita guiada por uma jovem vestida a rigor (da época da Guerra da Secessão) e de ficar fascinado com todos os seus detalhes a conclusão é uma só: a casa é deslumbrante!



sexta-feira, 6 de julho de 2012

Oceanário de Lisboa






Construído para completar o conjunto de prédios da Expo 98, no Parque das Nações em Lisboa, abriga além do aquário público municipal, algumas instituições de pesquisa e extensão universitária nos campos da oceanografia e biologia marinha. Tornou-se rapidamente no mais conhecido e visitado de todos os edifícios erguidos para os festejos da última exposição mundial do século XX e, é hoje, reconhecidamente o maior atrativo turístico do Portugal Moderno.
Idealizado para ser uma das principais peças de todo o complexo e para permanecer ativo após o encerramento do evento, ainda hoje atrai milhares de visitantes e um grande número de pesquisadores e estudantes da vida marinha.




Elemento fundamental na composição do plano arquitetônico e urbanístico da feira, já que seu tema era Os Oceanos, um Patrimônio para o Futuro, foi projetado às margens do estuário do Rio Tejo e implantado dentro da água. Dividido em dois edifícios batizados de Edifício dos Oceanos e Edifício do Mar forma um conjunto inesquecível. Acima a vista do Edifício dos Oceanos com sua ponte de acesso do lado esquerdo o liga ao Edifício do Mar. Os panos de vidro superiores iluminam as partes onde estão expostos alguns mamíferos, aves e répteis que fazem parte dos ecossistemas marinhos nele representados.



Ainda detentor do título de maior oceanário da Europa, ocupa uma posição de destaque no cenário mundial e representa o que há de mais moderno nessa área. Sendo o segundo maior do mundo, perdendo apenas para o gigante oceanário da cidade norte-americana de Atlanta.
Abriga uma quantidade enorme de animais de mais de 450 espécies diferentes, procedentes das mais variadas partes do mundo em tanques que suportam a inacreditável marca de sete milhões de litros d'água. Quatro tanques secundários, bem marcados no volume externo, cada qual em uma das pontas da planta baixa de formato quadrado, abrigam os ecossistemas dos oceanos Atlântico, Ártico, Pacífico e Índico.
 Seu gigantesco tanque central de cerca de cinco milhões de litros d'água é o lar do famoso Peixe Lua e de vários outros representantes dos quatro oceanos e seus diversos mares. Ali dividem espaço com os sempre impressionantes tubarões inúmeras outras espécies como arraias, barracudas, xaréus, moreias, garoupas, atuns e tantos outros.



Projetado pelo arquiteto norte-americano Peter Chermayeff, possui linhas muito modernas que nada tem a ver com a cultura local e que em momento algum faz referência à bela arquitetura ou à riquíssima história portuguesas.
Ainda que a feira tenha sempre um caráter universal e adote um tema de interesse global o que permite a contratação de arquitetos estrangeiros, a opção por um arquiteto local me parece que teria sido mais adequada por reservar o direito à manifestação da cultura local em um edifícios que não tinha a função de pavilhão. 
 Nessa exibição acontecida no ano de 1998 que marcou a troca de milênios, portanto livre para adotar o mais moderno e futurista dos estilos, este prédio já nasceu para ser mantido e não demolido como outros tantos. Este motivo revela-se maior e mais importante do que as tendências estéticas e filosóficas na época da mostra internacional e guarda em si um comprometimento maior com a população local e sua bela cidade. É uma pena que uma obra tão importante como esta não tenha sido feita por um arquiteto português.

Como resultado sua arquitetura abusa das linhas retas e dos acabamentos brutalistas, nada inspiradores e bastante inadequados para um aquário e muito distante do gosto ibérico. Nega veementemente toda a linguagem orgânica e fluída das flora e fauna submarinas e parece ser um brutamontes caído nas águas escuras do rio, ao invés, de poeticamente, sugerir brotar das profundezas marinhas para revelar ao homem os mistérios do mundo aquático.
Há quem diga que se assemelha a um porta-aviões. E de fato lembra mesmo. Isso vem corroborar minhas anteriores ponderações. Nada mais norte-americano (portanto fora de lugar) do que a ideologia bélica traduzida numa estética militar: comporta-se como um estilo que infelizmente parece menos ligado à conservação e estudo dos mares e mais vinculado à uma referência aos arsenais  de guerra humanos. Onde foram parar as Naus e as Caravelas? Se a intenção fôra, por motivos óbvios, vincular a forma do aquário à uma embarcação, que fosse então àquelas lançadas ao desconhecido, financiadas para o desbravamento dos novos mundos. Seria, a despeito do clichê, o belo e correto paralelo a ser adotado. A ponte entre as antigas naves que singraram corajosamente os mares "antes nunca navegados" e a idéia de avanços nos estudos da última fronteira terrestre a ser vencida pelo homem: seria perfeito!





Os  detalhes metálicos amenizam as duras linhas do prédio, mas ainda assim se mostram muito fracos para quebrar a rigidez e o peso do volume edificado. Até mesmo a enorme passarela aérea de acesso ao prédio principal é muito vedada e bastante abrutalhada. A passarela passa por cima da grande esplanada pavimentada com as tradicionais pedras portuguesas e evidencia a grande simetria do projeto.





             
 Os  detalhes metálicos agora vistos de dentro da passarela. Sua inclinação é vencida suavemente em virtude de seu grande comprimento. De tempos em tempos a passarela sofre um pequeno declive mais acentuado, mas mantém um ritmo e uma inclinação bastante confortáveis. Essa grande passarela liga os dois pavilhões que formam o conjunto: um sobre a terra e outro (o aquário propriamente dito) sobre a água. Existe outra passarela junto ao nível da água para acesso de serviço, manutenção e abastecimento. Essa segunda e plana passarela é descoberta e liga a plataforma do prédio ao molhe que o protege assumindo a ideia de píer de atracação.



              Acima uma vista, a partir da grande passarela, do grande espaço de circulação do edifício de entrada que está implantado sobre a terra. Este espaçoso ambiente é o local de um enorme e belíssimo painel de azulejos azuis e brancos. A alta parede é totalmente revestida com peças quadradas dos mais variados desenhos, sempre geométricos e bicolores, alternados com outros lisos que formam este magnífico  desenho de peixes e criaturas marinhas. Criado a partir de programas de computação o monumental painel possui nove tonalidades diferentes de azul dispostos a formar figuras ampliadas de estudos fotográficos correspondendo cada um dos seus 55.000 azulejos a um pixel das imagens.
             A obra de arte valoriza o prédio, atualiza uma grande tradição lusitana que remonta o século XVII, particulariza o espaço e disfarça o setor administrativo. Ninguém perde tempo olhando para as janelas abertas para o grande átrio pois ficam absortas com tanta beleza.
                Abaixo uma das escadas de acesso e o início do painel sobre a fachada oeste aberto para o exterior.






              A seguir duas fotografias tiradas de catálogos turísticos que mostram o aquário iluminado durante a noite. Realmente fica muito mais bonito do que durante o dia, quando não tem todo este brilho e transparências. Apesar de mais bonito, assume ainda mais uma áura de algo predatório, ruim ou perigoso à natureza, parecendo mais uma fábrica ou ainda uma plataforma de petróleo e nunca, nunca mesmo, um aquário. Definitivamente, por acreditar que não traduz o sentimento nem tão pouco a intenção da instituição e seu equipamento, que visam promover o conhecimento dos oceanos, sua conservação e correta forma de exploração, realmente não me agrada seu volume.



               E convenhamos: essas anteninhas e os tirantes são terríveis! Quando focamos nas escadas metálicas parece que voltamos aos anos 1970 com uma cópia em miniatura do Centre Georges Pompidou e seu estilo high tech. Na época Renzo Piano e Richard Rogers traçavam as primeiras linhas do que seria entendido anos mais tarde como o estilo pós-moderno. Atualmente essa linguagem já está mais que desgastada.




              A poesia de Sophia Andresen é uma dentre tantas outras expostas ao longo do circuito de observação ao redor o grande aquário central do Edifício dos Oceanos. A paixão dos portugueses pelas letras não é nenhuma novidade e a inclusão destas obras no percurso dos visitantes é algo admirável. Vale também ressaltar  a bela forma como foram introduzidas no ambiente. Gravadas sobre placas transparentes de acrílico e fixadas sobre as paredes negras, parecem com o efeito da iluminação que suas palavras flutuam no mais profundo e escuro dos mares. Poesia no texto e na forma como apresentam! Bárbaro! Obras de arte podem e devem sempre enriquecer o espaço de convívio e a arquitetura como um todo. Desde grandes murais de azulejos como o presente no Edifício do Mar até pequenos textos mais intimistas como este.





               Sophia Andresen, natural da cidade do Porto, foi uma das mais importantes poetizas portuguesas do século XX e é homenageada no aquário desde 2005, um ano após sua morte aos 84 anos de idade. Primeira mulher a receber o Premio Camões, tem hoje sua poesia enriquecendo as paredes das áreas de descanso e contemplação, oferecendo ao  observador mais que informação sobre o mundo animal: oferecendo cultura das boas! A oportunidade de dar ao povo português, principalmente às suas crianças (a maioria dos seus visitantes), a noção de que a literatura é algo importante, além da oferta gratuita e sutil dessa forma de expressão, só não são mais notáveis que a grande homenagem feita à escritora.

               Abaixo a nova parte acabada depois da Expo 98 acrescida ao volume da administração e chamado agora de Edifício do Mar. Nele estão a bilheteria, cafeteria, auditório e um pequeno aquário com exposição temporárias. Ao contrário do prédio principal e mais famoso este é magnífico. Sem muita pirotecnia, e sem a pretensão do outro, acaba por fazer melhor figura. Aqui os elementos decorativos fazem perfeitas alusões ao mar.



               O Edifício do Mar veio ampliar os serviços e opções de lazer do Oceanário de Lisboa já bastante completo. Dessa forma abre novas frentes de serviços de apoio ao turista e visitante e estende sua função educativa. A primeira exposição temporária alcançou um tremendo sucesso ao mostrar de forma original um grupo de tartarugas marinhas que podiam ser vistas de muito perto. A experiência de visitar este aquário e observar estes répteis marinhos em um ambiente de belo desenho e concepção bastante moderna se revelou no mais prazeroso dos passeios.




              Revestido externamente por uma grande parede com sete mil blocos cerâmicos brancos com um desenho que lembra as escamas de um peixe, o Edifício do Mar alcança um resultado surpreendentemente belo, elegante e discreto. As peças componentes dessa parede foram executadas em três tons de branco sendo algumas em forma de leque e outras em forma de arco, que juntas formam os cheios e vazios. A linha vazada marca a altura do restaurante e veda um espaço concebido como um jardim de inverno. Esta faixa quebra a forma de monobloco do volume conferindo ao todo, em conjunto com o efeito de escamas, um ar mais leve e orgânico.



               Acima uma vista da bela cachoeira que brota da linha superior da platibanda da marquise de acesso à bilheteria e cai diretamente sobre o solo, criando um corredor sob o arco formado pela linha d'água. Essa cortina de água é mais que bonita: é super interessante e divertida. 










              Nestas duas fotografias o detalhe da belíssima parede externa. A fachada é uma peça artística criada  pelo artista catalão Toni Cumella. Toni Cumella responde pela restauração, entre outras, do Parque Güell em Barcelona. A parede além de muito bonita é funcional pois assegura um equilíbrio de temperatura, cuja eficácia térmica é assegurada pelo fato de permitir uma dupla ventilação e uma abundante iluminação, o que redunda em economia no uso de energia elétrica tanto para sua iluminação como para os equipamentos de ajustes térmico forçados. 













               Lindo o desenho dos elementos vazados repetido no piso. O efeito provocado pela sombra na superfície lisa e também branca do chão é a forma mais interessante e barata de aumentar a área decorada, criando jogos de luz e sombra, cheios e vazios, brancos e pretos. O partido tirado pelos ocos da parede aproveitando a luz solar aquece e dinamiza o lugar.




              Tudo branco! Piso, paredes, teto e mobiliário. Aqui o show é dado pela luz natural que invade o interior e desenha por todos os lados as sombras das escamas da fachada.